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artes plásticas... cinema... poesia... política... sei lá! ... basicamente as ideias todas a monte... o que passa pela cabeça e que escapa pelos dedos...
terça-feira, outubro 14, 2014
Agora voe!
O homem insiste que o seu corpo não foi feito para voar que nunca aprendeu a voar e que mesmo que lhe tivessem ensinado seria impossível voar. "Você é que está em cima do parapeito" respondem-lhe. "Você voa, nós só empurramos".
Desesperado o homem procura soluções, é então que pede algum equipamento, como um para-quedas, uma asa-delta ou mesmo um daqueles fatos com asas debaixo dos braços. Mesmo sem preparação para usar o equipamento talvez o dano seja menor e se safe. Respondem-lhe de imediato que esses recursos não existem, não estão disponíveis, e que ele vai ter de voar ainda assim.
O homem desiste, resignado, e diz "Ok, deixem-me falar com a minha família. Se vou morrer quero ao menos despedir-me". "Nem pense nisso homem. Você não está autorizado a morrer. Você só está autorizado a voar". E empurraram-no.
domingo, outubro 05, 2014
O Traquinas da Educação e da Ciência.
Crato nunca demonstrou grande respeito pela Escola Pública. Para ele a educação é um privilégio reservado aos melhores. Por melhores entenda-se os que podem pagar para fazer parte do grupo dos melhores. Para Crato a escola pública não é importante. Porque os melhores arranjam sempre maneira de pagar uma escola ao seu gosto e o Estado escusa de gastar tanto dinheiro numa escola de qualidade para o povo. Ao povo bastam cursos virados para o trabalho. Criar operários baratos. Mas as crianças precisam sobretudo de educação. Precisam de saber ler o mundo, não só as letras.
Nuno Crato não gosta realmente do Ministério que ministra. Não acredita na sua missão. Sobretudo não tem respeito pelos alunos e pelos professores da Escola Pública. Trata-os como seres menores. Abaixo de si.
Nuno Crato foi tão displicente e desleixado na preparação do início do ano letivo que não o chegou a preparar de facto. Tal como foi displicente e desleixado em todo o seu mandato. Desde a primeira medida.
Estragou uma oportunidade que qualquer ministro da educação gostaria de ter - a obrigação legal de vincular milhares de professores contratados. Não soube como fazê-lo. Porque quis dar lições de moral enquanto o fazia e estragou tudo. Quis vincular professores enquanto tentava fazer o país acreditar que não precisava deles e nunca soube como os colocar ou selecionar.
Nuno Crato não soube utilizar a capacidade das escolas de escolherem os professores que queriam. Destruiu a confiança pública numa política de autonomia das escolas. Criou regras matematicamente inaplicáveis e não foi competente a lidar com os problemas que ele próprio criou. Sobretudo não foi verdadeiro, sincero ou transparente. Não foi sequer esforçado.
No dia mundial dos professores há muitos jovens competentes em Portugal que não podem trabalhar com os alunos porque o Ministério está mal organizado e não sabe gerir os seus recursos humanos. A incompetência de Nuno Crato está na base de todos os problemas. O seu desconhecimento do sistema e o seu desprezo pelo sistema condicionaram tudo. Estamos em Outubro e o ano letivo ainda não arrancou como devia.
Ao ministro não chega pedir desculpas, é preciso ter capacidade de trabalho e competência. Nuno Crato é hoje a negação da Escola Pública em pessoa e no entanto continua como ministro.
Resta-nos saber se os danos foram inadvertidos ou provocados deliberadamente. Apesar de tudo tenho uma opinião sobre isso...
sexta-feira, setembro 26, 2014
Os ratos vão abandonando o navio.
Agora aparecem uns cronistas conservadores a condenar o primeiro ministro e a Tecnoforma. Como se a governação de Passos Coelho, que defenderam tantas vezes sem critério, tivesse sido a de outro primeiro ministro. Não foi. Foi a governação de um homem que defende interesses de poucos com o prejuízo de muitos. Que entende o Estado como uma vaca leiteira para abastecer os negócios dos amigalhaços, mas tem horror a que se pague a um desempregado um subsídio mensal que não chega a 10% do que ele, alegadamente, recebeu há 15 anos atrás para não fazer nada. Foi a governação de alguém que nunca foi competente para coisa nenhuma, mas sempre se sentiu acima de todos. Usado como charneira de negócios de um Secretário de Estado tão parolo que teve de mentir e dizer que era doutor. Secretário de Estado esse que defendeu até ao limite quando se provou ter aldrabado o currículo. Isto no mesmo circulo de pessoas que defendem a liberalização das regras laborais e a meritocracia absoluta.
Quando os cronistas conservadores começam a dar para trás é porque querem distância. Cheira-lhes mal. Estão a preparar um novo governador de interesses para que o leite não pare de jorrar das tetas da vaca do Estado. Não, não me deixo enganar por achaques de moralismo de pacote. Quando este senhor deu cabo da vida dos portugueses em troca de nada e estava a destruir meticulosamente a escola pública, o serviço nacional de saúde, a justiça e a proteção legal aos trabalhadores, enquanto distribuía "jobs" a "boys" do partido como se não houvesse amanhã para engordar o "governo mais pequeno de sempre", nessa altura estes arautos da moralidade autocolante usavam a sua eloquência para justificar o injustificável. Não, não me deixo enganar.
terça-feira, julho 22, 2014
Objetivamente a P.A.C.C. é inútil.
-
Porque, objetivamente, a prova, pelo tipo de enunciado que apresenta, não certifica as competências profissionais dos docentes, quer ao nível específico das suas áreas, quer ao nível pedagógico, logo não tem repercussões na qualidade de ensino nas escolas.
- Porque a contratação de professores pelo Ministério da Educação depende apenas das necessidades das escolas, logo nenhum professor é contratado a mais ou a menos por causa da prova.
Não há qualquer tipo de benefício, direto ou indireto, para os alunos das escolas públicas que resulte da aplicação da PAAC. E esta não é uma questão de opinião, é uma questão objetiva.
sábado, julho 12, 2014
A Prova.
- Olha-me este. Passou o ano a brincar e tem tanto potencial. Disse-lhe tantas vezes para não se meter nisto. É muito depressivo, vai ser difícil explicar o conceito. Mas até que está bem feita a coisa. Não é que desenrascou um trabalho com piada. Tenho de anotar aquilo. Podia estar melhor. Mas olha como está crescido. Também não foi fácil. Passou por muito. Está ali o pai. O meu pai nunca foi à escola, quanto mais entrar no trabalho... Olha que engraçado, gosto disto. Está bem feito. Ele tem olho para a coisa. Podia ter melhorado o relatório. É sempre tudo à ultima da hora. Eu bem lhe disse. Ainda me lembro bem quando ele entrou na escola. Está tão diferente. Mas olha que até apresenta bem, nunca o ouvi falar assim. Temos de mostrar isto. Lá fora têm de ver o que eles conseguem fazer. Eu na idade dele nem metade destas coisas sonhava, quanto mais falar ou fazer isto. Terminou. Tantos aplausos. Os colegas gostaram. Até gostei. Tenho de me lembrar de lhe falar daquele detalhe. Mudava isto e ficava perfeito. Tenho de lhe dizer. Vou começar por lhe dar os parabéns, depois dou-lhe a pancada. Prefiro que me tenha raiva hoje mas mais tarde vai perceber que só lhe disse a verdade. Ele põe cá um filho, um dia, se souber que dizemos só a verdade. Sem medo. Se pudesse agora abraçava-o.
Há escolas que não ficam à flor da pele, insistem em entrar.
segunda-feira, junho 23, 2014
Sabem lá eles o que é ser patriota.
Jovem acusado em tribunal por ultrajar bandeira nacional em obra de arte.
Quem não percebe o quão errada é esta acusação não percebe o que significa viver em democracia ou mesmo alcança a profundidade do sentimento de patriotismo.A bandeira é um signo, construído a partir de outros signos e de muitos significados, uma composição, uma frase sobre a identidade nacional. Este signo pode ser usado noutras frases. Não pode haver lei que o impeça.
Por outro lado se alguém quiser por em causa o nacionalismo da frase terá de a ler no seu contexto devido. Ignorar o contexto é ignorar o signo. O signo, segundo Pierce, é composto por três partes. O significante (o corpo), o significado (o que representa) e o referente (a que se refere). Por entendermos o contexto, as bandeiras deixam de ser meras representações gráficas abstratas e passam a ser símbolos que representam as nações. As cores, por exemplo, deixam de ser uma coisa e passam a ser outra. O verde pode ser um prado ou pode ser a esperança. O vermelho pode ser sangue ou pode ser só a complementar do verde, ou uma cor que já existia num estandarte mais antigo.
A importância da bandeira como símbolo é muito antiga e o porta estandarte, ou o porta bandeira, é uma figura simbólica no campo de batalha. Reza a história que tivemos um que perdeu ambas as mãos e ainda assim não cedeu, segurando o estandarte real com os dentes. Isso não invalida, e até reforça, a utilização da bandeira como símbolo nacional no discurso artístico sobre uma nação. Como Jasper Johns (Flag, 1954) a transformou no gozo do fazer. Quando vi pela primeira vez a bandeira americana de Johns senti que se abriam uma infinidade de possibilidades na aplicação das cores e das tintas.
A bandeira é um signo que aparece dentro de um discurso que pode muito bem ser o do desalento ou do sofrimento. E também pode comentar a violência exercida sobre um povo representando-o, ao povo, na forma da sua bandeira. Quando a bandeira é enforcada são enforcados todos os portugueses. Não é o autor que enforca os portugueses, ou enforca Portugal. Os portugueses já foram enforcados, o autor só comenta algo que já aconteceu. Já os tinham posto de tanga. Já os tinham acusado de viver acima das suas possibilidades apesar da sua pobreza. Já lhes tinham dito para sair do seu próprio país. Já tanto foi dito e feito. Não se pode fazer um comentário usando a bandeira? Claro que pode. E deve.
A ignorância sobre a natureza do discurso artístico é grave quando passa todas as etapas da imbecilidade judicial e chega a tribunal. Isso significa que muitos, pelo caminho, não percebem a ponta de um corno do que significa a liberdade de expressão, ser patriota ou viver em democracia.
Atualização: Ministério Público pede absolvição do artista. Alguém inteligente haverá no meio disto tudo.
terça-feira, junho 17, 2014
Este era o único jogo que interessava...
Confesso que, para mim, o Mundial está mais ou menos acabado. Era este o jogo que me interessava. O jogo contra os nossos carcereiros, como no filme "Victory" ou "Fuga para a vitória" de John Huston (1981). Todos os jogos depois deste não apagam esta derrota. Essa fica para a história, assim como a nossa subserviência e a nossa insuficiência. Muitos alemães ontem confirmaram aquilo que já pensavam de Portugal. Aquilo que, na verdade, tantos portugueses pensam de Portugal. Recuso-me a dizer.
O significado político, social e cultural destes confrontos é evidente. Quem o quiser negar está, obviamente, a negar uma evidência. Por algum motivo Angela Merkel foi ao balneário agradecer aos jogadores. Não sei de mais nenhum líder político a tirar selfies no balneário depois de uma vitória que humilhou o adversário. Não fomos David contra Golias. Demitimo-nos. Parecemos sempre mal preparados, fisicamente incapazes, tecnicamente insuficientes, taticamente desorganizados, enfim, atarantados. Com Paulo Bento é sempre assim. Sempre como se fosse a primeira vez. Surpreendidos com o que toda a gente já sabe.
Se Paulo Bento, ao menos, tivesse explicado aos jogadores o que o povo português queria realmente fazer à Alemanha... Morriam em campo. Mas não. Não lêem jornais, não sofrem na pele as dificuldades, estão demasiado distantes daqueles que representam. Trocaram a seleção nacional pela equipa de futebol da Federação Portuguesa de Futebol.
Jogaram lentos, sem chama. Assoberbados pelo calor e pela humidade contra os heróis germânicos que pareciam em casa no Brasil.
Estes jogadores foram profissionais só para não serem amadores (os que amam), não para serem responsabilizados pela sua falta de profissionalismo.
Contra a Alemanha nem tinham de ser profissionais. Só tinham de carregar na alma a alma dos portugueses. Jogar com paixão. É isso que se pede a uma seleção.
Mas o problema não foi apenas a falta de paixão. Não se vai a lado nenhum sem inteligência, sem trabalho, sem conhecimento. Ouvi Del Bosque depois de levar uma abada dos holandeses. Inteligente, elegante na derrota, claro como a água. Senti, naquele momento, que ele libertou uma boa parte do peso daquela derrota. Apaziguou tudo. Paulo Bento, num português horroroso, diz que equilibramos até ao primeiro golo. Até aos 11 minutos. Mais valia estar calado. Por que raio diria aquilo?
Culpou o árbitro mas, bem vistas as imagens televisivas, ninguém vai levar a sério essas queixas. Foi culpa própria. Mais nada.
Era este o único jogo em que a seleção não poderia falhar. Cair de joelhos não. Podíamos perder, mas não ser humilhados. Pelos portugueses empobrecidos, gozados, humilhados, insultados em tantos jornais alemães, nos conselhos europeus, nas comissões, nas decisões das troikas que acham sempre que somos como aquela seleção, um bando de frouxos que nem os salários mais baixos da Europa merece. Porra! Quem não percebe o que isto dói no orgulho lusitano? Muitos dirão que é só um jogo de futebol. Jesse Owens em 1936 também só tinha de correr e saltar naquela terra batida. É muito mais.
É preciso paixão mas não apenas no momento do jogo. É preciso paixão durante a preparação. Se alguma vez existiu, eu não vi nem ouvi falar dela. Não se ouviu falar de tática, era Postiga (lesionadíssimo) ou Almeida. Não se ouviu falar de treino para o calor, ao contrário dos Alemães. Ouviu-se falar de fãs, de fãs, de fãs e de fãs de Cristiano Ronaldo, e do joelho. O maldito joelho. As luzes de Ronaldo, o mais trabalhador dos jogadores, encandearam tudo e o resultado foi este. Temos ainda a oportunidade de dar a volta contra americanos (muito bem organizados e por um alemão) e ganeses. Preferia não ter uma réstia de esperança, mas sou um parvo.
sexta-feira, junho 13, 2014
Mais vale uma P. do que um F.P.
Há contradições insanáveis na decisão sobre a contabilização de atividades criminosas no cálculo do PIB. Sei que não será um exclusivo do nosso país mas ainda assim deveremos refletir sobre que estado de alienação ética ou técnica promove este tipo de raciocínio. Ainda que algumas destas atividades pudessem, após algum debate e reflexão, ser descriminalizadas e tributadas sempre que exercidas dentro da lei, é difícil aceitar esta medida como lógica.
Sabemos bem que estes grandes números, como o PIB, têm uma relação cada vez menor com o bem estar dos cidadãos, com os números da pobreza ou outros. São indicadores que servem aos grandes negócios e às lógicas de acumulação capitalista. Nada mais.
Também sabemos que o PIB já refletia alguns negócios criminosos por via das atividades de alguns nacionalistas a militar nos bancos e nas grandes empresas, com ajuda da vista grossa dos reguladores e da justiça, por isso a prostituição e o tráfico de droga pouco melindram os princípios éticos da nossa inteligenza económica.
Será que amanhã a atividade da polícia no ataque ao crime irá ponderar o interesse económico do país? O Ministro da Administração Interna poderá ponderar na vantagem de usar despesa pública para atacar negócios que acrescentam ao Produto Interno Bruto do país. Para que servirá a ASAE? A única polícia do futuro será a polícia fiscal. A lembrar o Príncipe João da história de Robin Hood que sendo a única autoridade mais não fazia do que cobrar impostos aos pobres.
Por este andar vale mais a prostituição e o tráfico de droga do que a educação ou a saúde.
Alguns dirão que tudo que é circulação de dinheiro conta, mas eu lembro que um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento é uma justiça eficaz e abrangente fomenta a segurança e o investimento. Incluir no PIB o que foge à polícia é assumir a incapacidade de gestão e organização das atividades económicas de um país. É uma medida neoliberal imbecil fruto deste zeitgeist de cabelo ao vento no cabriolet e relativismo ético interesseiro.
Quem diria que o governo de direita mais moralista e conservador depois do 25 de abril iria comprometer tantos valores em troca de dinheiro?
A mim não me espanta muito...
quarta-feira, junho 11, 2014
O passado deles é o nosso presente.
A presunção, no discurso do Presidente, de que "soubemos vencer as adversidades de um tempo muito difícil", como se as adversidades fossem coisa do passado, "dos últimos três anos" e não se prolongassem ainda hoje ou se projetassem no futuro, é de um cinismo e insensibilidade social próprio de alguém que não foi talhado para representar um povo.
Depois de uma semana em que o Primeiro Ministro e seus acólitos nos brindaram com todo o tipo de birras, insultos e ameaças ao Tribunal Constitucional e à própria lei fundamental por não terem sido autorizados a baixar ainda mais os salários e as pensões, só por gozo alguém considera que as adversidades pertencem ao passado.
Depois de o INE provar que o PIB está novamente a recuar, que as exportações baixaram e a balança comercial está de novo desequilibrada só por calculismo político inadmissível alguém pode considerar a crise uma coisa do passado.
O passado do Presidente da República é o nosso presente e provavelmente o nosso futuro. Isto a acreditar nas palavras dos próprio Primeiro Ministro.
É por estas e por outras que quando o PR desmaia durante uma cerimónia ninguém se cala em respeito ao senhor. Porque ele nos falta ao respeito todos os dias, porque não cumpre o seu juramento, porque não é um de nós. A Presidência da República merece-nos o respeito de ser o alvo privilegiado dos mais importantes protestos. Se o programa de empobrecimento não parou por causa do mal de tantos porque pararia o protesto por uma simples indisposição de um?
Não lhe desejo a doença mas sei que ele também, na prática, não nos deseja a saúde.
sexta-feira, maio 23, 2014
Porque estão os professores desmotivados?
"Quase dois terços dos professores admitem que a motivação para estar na escola diminuiu nos últimos anos"
PÚBLICO, Samuel Silva, 23 de maio
Desconhecendo a amostra deste estudo em detalhe diria que me parece, à primeira vista, demasiado pequena. Gostaria, apesar de tudo, de realçar o conceito de "massacre sistemático" da comunicação social que contribui, junto com o discurso do poder político, para enfraquecer os professores e desvalorizar o trabalho da escola.
No entanto não podemos deixar de constatar que muitos professores contribuem para o discurso negativo centrando-se, por exemplo, na questão da indisciplina como factor desestabilizador da profissão quando, na verdade, faz parte das competências profissionais de um docente identificar, estudar e procurar soluções de um modo colaborativo para questões como essa. O trabalho de um professor é sempre com os alunos que tem à frente e não com outros que o sonho imagina melhores ou mais sossegados.
É urgente que os professores se afirmem como profissionais com saberes únicos e específicos capazes de lidar com os desafios (sejam eles quais forem) que as gerações atuais e futuras de alunos lhes colocam. Devemos adaptarmo-nos à realidade dos alunos com os quais trabalhamos de modo a ser possível estes realizarem aprendizagens significativas, sejam quais forem as circunstâncias ou as dificuldades. É um projeto profissional. O engenheiro de pontes também não pede um rio mais estreito para ligar as duas margens.
Não se pode ignorar, apesar de tudo, que a desvalorização dos salários equivale a uma desvalorização social da profissão e que ambas, o empobrecimento e a desvalorização social, se somam e multiplicam assim o efeito desmoralizador. Mas nada disto é ao acaso. O ataque aos professores é um ataque à ideia de escola pública e escola para todos. É um ataque ao projeto de uma sociedade que promove a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. É isso que está em causa e é desse ataque que os professores se devem defender. Pessoalmente (e nem todos têm de ser como eu) é neste momento que me sinto mais motivado. Mas é pelos motivos piores. É por sentido de resistência e por preocupação pelo futuro difícil dos meus alunos. A desmotivação dos professores é totalmente justificada e não se limita à classe docente.
Para o poder político neo-conservador que nos governa a escola pode, se correr mal, encurtar as distâncias e aproximar as oportunidades. A escola pode, se correr mal, abrir os olhos dos futuros trabalhadores para a natureza da exploração laboral e das novas escravaturas. A escola pode, se correr mal, ensinar a tolerância e o respeito pela diferença. A escola pode, se correr mal, fomentar uma crítica dos valores e por em causa os preconceitos que passam por tradição. A escola pode, se correr mal, fazer de crianças e jovens adultos que pensam de modo crítico e que exigem respeito e democracia.
Enfim, se correr mal, a escola pode ser um ninho de subversivos com uma visão mais clara do mundo.
Na Soares dos Reis fazemos um esforço para que corra muito mal. A vingança contra este sistema é o conhecimento e a vontade de saber que plantamos nas cabeças dos alunos como quem coloca uma bomba que mais tarde explode e transforma o mundo completamente. É um acto subversivo e terrorista promover o conhecimento em países europeus pobres e endividados em pleno séc. XXI e os professores, a cada aluno que ensinam, estão a criar homens-bomba da liberdade do pensamento e do conhecimento.
Vote Noutro Qualquer!
Em véspera de eleições para o Parlamento Europeu, gostava de deixar um forte apelo ao voto. Ficar em casa é entregar o ouro ao bandido.
Como mensagem política, em final de campanha deixo aqui um pequeno guião em notícias reunido rapidamente mas que será esclarecedor:
"Merkel apoia Juncker para suceder a Barroso" Jornal de Negócios, 3 de fevereiro
"PSD critica PS e apoia Juncker" Correio da Manhã, 7 de março.
"Marcelo justifica voto na coligação só para eleger Juncker" Público, 20 de maio
"Merkel decide formação da Comissão Europeia antes das eleições"Jornali, 21 de maio
"Nicolas Sarkozy propõe fim da igualdade dos Estados na União Europeia" Expresso, 22 de maio
Faça como eu e VOTE NOUTRO QUALQUER!
domingo, maio 11, 2014
Andamos a contribuir para o porquinho deles...
Ajudas a Portugal e Grécia foram resgates aos bancos alemães Isabel Arriaga e Cunha (Bruxelas) in Público 11/05/2014 - 08:10
Já o tinha dito e afirmado logo no início da crise. O resgate foi uma transferência indireta para os cofres de bancos alemães e franceses. Agora vem alguém comprovar isso.
Não era difícil chegar a essa conclusão. Tudo o indicava.
Mas para além de percebermos que desde o início esta crise não foi culpa dos portugueses, mais importante, neste momento, é denunciar a fraude que é o sucesso do programa de ajustamento. É uma irresponsabilidade que roça a traição festejar este programa.
Diz Philippe Legrain ao Jornal Público:
"[...] a troika (de credores da zona euro e FMI) que desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer controlo democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse dos credores de Portugal. E pior que tudo, impondo as políticas erradas. Já é mau demais ter-se um patrão imperial porque não tem base democrática, mas é pior ainda quando este patrão lhe impõe o caminho errado. Isso tornou-se claro quando em vez de enfrentarem os problemas do sector bancário, a Europa entrou numa corrida à austeridade colectiva que provocou recessões desnecessariamente longas e tão severas que agravaram a situação das finanças públicas. Foi claramente o que aconteceu em Portugal. As pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido. Portugal está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa."
Philippe Legrain, ex-conselheiro do actual presidente da Comissão Europeia
terça-feira, maio 06, 2014
Os alunos não são atletas mas podem ser todos vencedores
Inovação, Democratização e Imaginação são os três factores fundamentais para a melhoria constante dos recordes desportivos. David Epstein demonstra, nesta conferência TED, como a única coisa que se transformou para que o ser humano atinja novos máximos físicos foi o seu querer, o seu engenho tecnológico, o seu conhecimento científico, a sua vontade de treinar e a oportunidade de cada um ser diferente ou de tirar partido da sua diferença.
Enquanto ouço David Epstein vou refletindo sobre como o sucesso educativo depende dos mesmos fatores. Da nossa capacidade de conhecer melhor os alunos e o seu modo de aprender, da tecnologia que usamos para os ensinar, das expectativas que vamos semeando nas suas cabeças e que fomentam o seu querer e, muito importante, do respeito que devemos ter pelas diferenças entre os alunos e como elas representam potenciais diferentes e não necessariamente dificuldades de aprendizagem ou de adaptação. Se a sociedade e o poder político de hoje olhasse de um modo mais humano, mais pragmático e mais científico para a educação estaria a potenciar todos os alunos em vez de fazer uma cínica e cuidadosa seleção social, com objetivos políticos e económicos.
Os professores, em contacto direto e humano com os seus alunos, vão acreditando no seu potencial e vão remando contra a maré sistémica que parece querer garantir que muitos trabalhem barato para o benefício de muito poucos.
Reconhecer a hipocrisia embutida nos sistemas de seleção falsamente meritocráticos em que se tornaram os sistemas educativos modernos é um primeiro passo para a construção de soluções eficazes e para o cumprimento cabal da declaração dos direitos da criança e da declaração dos direitos do homem.
Se pensarmos bem e se quisermos trabalhar bem, todas as escolas podem ser escolas de sucesso e todos os alunos podem ter direito ao seu sucesso educativo.
Agora imaginem uma economia assente no sucesso de cada cidadão em vez de uma economia assente na desvalorização do trabalho, na desescolarização das aprendizagens (querem empresas a ensinar alunos, não é?) e com a finalidade única do aumento do lucro corporativo. É utópico apenas na medida em que é realizável. Um sistema educativo eficaz é uma distopia para o capitalismo neoliberal que se instalou na Europa. Porque não promove a exploração do trabalho barato, fruto de uma fraca educação, e nesse sentido não contribui para a diminuição dos custos de produção e provoca, necessariamente, uma diminuição do lucro corporativo, hoje a medida de todas as coisas quanto à saúde financeira de um Estado.
quarta-feira, abril 30, 2014
Conhece alguém que precise do First Certificate para alguma coisa?
O teste de Cambridge foi hoje às escolas mas...
Eu percebo que queiram aumentar a qualidade do ensino de inglês. Percebo, mas levantam-se algumas questões. Este certificado tem uma validade muito baixa ou mesmo nula. Não serve para estudar no Reino Unido ao nível do Ensino Superior, por exemplo. Não se percebe o investimento neste grau se ele tem pouca ou nenhuma utilidade prática, sobretudo num momento em que a escolaridade obrigatória é o 12º ano.
Se fosse um exame em que a classificação final resulta num nível de proficiência em Inglês? Mas não é. Ou se passa ou não. E o First Certificate não serve na prática para absolutamente nada. Servirá para emigrar, talvez... Nem isso.
Por outro lado não me parece que a certificação em Inglês que este grau atribui, para o habitual empregador que exige menos do que a escolaridade obrigatória a quem contrata, seja assim tão determinante. Dificilmente o First Certificate fará diferença na contratação de alguém com o 9º ano. Sejamos sérios.
Este exame é um negócio. Pura e simplesmente um negócio. Com a conivência de uma Confederação de Associações de Pais que parece pouco preocupada com a qualidade de ensino e mais preocupada com diplomas e outras aparências. Parece que defende sobretudo os interesses dos alunos provenientes de famílias com alguns recursos financeiros, quer seja para pagar o exame quer seja para dar uso ao seu Inglês.
O objetivo será fazer a mesma coisa no final do 11° ano. Mas em que medida faz sentido associar a aprendizagem de uma língua a uma certificação por uma entidade privada? Não faria mais sentido certificar o exame nacional de Inglês?
Esta má ideia é o exemplo das não medidas que o MEC gosta de tomar. Melhorar alguma coisa nas escolas? Naaaaa... Criar um exame pago para um certificado inútil pago a uma entidade privada? Grande ideia! E depois os pouco produtivos somos nós...
sábado, abril 19, 2014
O sucesso de Nuno Crato.
O jornal Público noticia hoje, com dados do MEC, que o número de estudantes que, à saída do ensino secundário, declara querer prosseguir a sua formação entrando no ensino superior não tem parado de diminuir desde 2008. Avança ainda que as razões económicas são as mais apontadas para não querer continuar a estudar.
Conclui-se daqui que as medidas do MEC e de Nuno Crato estão a resultar em pleno. Reprodução social garantida pela seleção económica. Menos cidadãos habilitados a uma formação superior. O dinheiro e a formação dos pais como decisivos no futuro do aluno. A meritocracia aparente tinha de dar lugar a um sistema mais simples e garantido. Tem quem paga.
Se tornarmos o acesso ao ensino superior menos atrativo economicamente, ou pura e simplesmente impossível, dentro de pouco tempo voltaremos a ouvir frequentemente a frase "não tive dinheiro para estudar", um queixume não tão velho quanto isso. Com resultados muito maus para o país e aparentemente bons para a elite saudosista do fascismo (olha o Durão).
A crise económica, causada pela geração dos 45 para cima, também é fruto da sua falta de formação, não só técnica mas sobretudo ética e, ao contrário do que escreve a elite conservadora, nós temos andado para a frente em termos de qualidade na educação nos últimos anos. Estamos melhor hoje, todos os dados o comprovam. Querem a regressão porquê?
A mudança do projeto económico do país, assente em salários baixos e produção barata para investimento industrial estrangeiro, tinha de ser acompanhada pela criação de uma força operária barata, com pouca formação, essencialmente técnica, profissional e muito específica. Quanto menor a formação e mais específica mais dependente é o trabalhador do empregador, menor o salário, menores os custos de produção. Por isso se criaram os cursos vocacionais. Por isso andaram responsáveis alemães, juntamente com responsáveis do MEC, a apresentar este tipo de cursos. São os investidores estrangeiros os mais interessados na criação dessa força operária, pois é a garantia da diminuição dos custos do investimento e da maximização dos lucros.
Neste projeto económico o país encolhe (como tem sido defendido e exigido por tantos economistas inconscientes), reduz-se a arrecadação por via dos impostos, sejam sobre o consumo ou sobre os rendimentos, e torna-se impossível manter um Estado com um grau de proteção social ao cidadão suficiente. O governo desce os impostos sobre as empresas, em nome do crescimento, e os impostos sobre os cidadãos, apesar de mantidos elevados, não chegam para as encomendas fruto dos baixos rendimentos e fraco consumo.
Aumentam as diferenças entre ricos e pobres e gera-se uma aparência de riqueza, como em todas as ditaduras, investindo na capital da nação, escondendo-se os pobres debaixo do tapete. Seremos um caso de sucesso, tipo Brasil, mas um sucesso que os portugueses nem cheiram. Um país rico com cidadãos pobres. A invenção do neo-liberalismo.
O projeto para Portugal está desenhado. O papel do Ministério da Educação é um dos mais importantes e tem sido cumprido à risca. Sempre contando com o apoio involuntário dos portugueses que gostam pouco dos seus jovens e se esforçam demasiado (e de forma até infantil) para provar que são melhores do que os seus próprios filhos. É que vencer a ignorância e procurar o conhecimento, à escala de uma nação, é um obstáculo bem mais difícil de ultrapassar do que se imagina. Não se chega lá castigando os mais novos.
Se defende justiça e igualdade no acesso ao ensino superior assine está petição.
terça-feira, abril 15, 2014
A "Flip Art" ou o neo-liberalismo no mercado da arte.
"Auto-retrato anónimo" (2014) técnica mista, autor anónimo.
Dan Rees, à esquerda, na inauguração de uma sua exposição na Fundação Goss-Michael em Dalas.
Chamam-lhe "Flip Art" (ler este artigo no New York Times) e é, na verdade, a aplicação das práticas especulativas dos mercados de capitais à compra e venda de obras de arte.
Se, por um lado, para os mercados artísticos emergentes é pouco atraente a especulação com obras de artistas muito importantes. As obras são raras, correm mais riscos de falsificação e mais risco financeiro por cada obra. O mercado da arte mais animado e borbulhante prefere comprar e vender muito depressa, vender antes de comprar, fazer muito barulho.
Por outro lado o processo de legitimação artística tradicional é demasiado demorado e implica dar tempo aos artistas para que a sua obra amadureça e seja devidamente digerida pelo olhar da crítica e do público. É um processo relativamente democrático que pouco interessa aos investidores que poucos riscos querem correr. Não lhes interessa a arte mas as oportunidades de realização de lucro rápido.
As vendas são organizadas em leilões porque, dizem, os investidores acreditam que o artista que está representado num leilão tem à partida um determinado grau de qualidade. Não é necessariamente verdade.
Para isto são selecionados muitas vezes novos artistas de qualidade muito duvidosa e com um trabalho suficientemente ambíguo para que o discurso críptico de críticos, previamente comprados, deixe investidores à beira do orgasmo.
Os artistas escolhidos, os que estão no centro dos interesses, inundam o mercado com centenas de obras e criam algum "hype" com a ajuda de galeristas inteligentes e cheios de contactos. A colocação de uma obra numa coleção importante pode desencadear um furiosa torrente de vendas e compras completamente às cegas.
Como podem ver na esmagadora maioria deste lote extraordinário da casa de leilões Philips a qualidade das obras é muito duvidosa.
Lá está a nossa Joaninha com os pijamas de renda para bichos de louça, mas a vender pouco quando comparada com algumas pérolas como Parker Ito (o seu site é do mais autêntico Glitch Art ou simplesmente mau html, as obras nem comento), Dan Rees, na fotografia acima, Lucien Smith, ou o mesmo o pseudo-clone de Basquiat, Oscar Murillo.
Aliás a Philips, detida na totalidade por uma empresa russa de retalho de luxo, deixa evidente no seu site o motivo pelo qual vende e porque tem sucesso. Não são os artistas nem as obras, senão leiam:
É claro não é?
Se mais tarde o mercado topa a real qualidade das obras e estas deixam de valer o que quer que seja, pouco interessa para aqueles que, na feira de arte e no leilão, fizeram milhões com telas manchadas por materiais de bricolage baratos.
É, já se sabia, muito fácil criar fenómenos artísticos da noite para o dia, com campanhas mais mediáticas, com ordens de compra falsas e sempre com muitos telefonemas à mistura. É como largar um mentos numa bacia de coca-cola. A magia acontece. Pouco interessa a qualidade da obra. Estas obras, na sua maioria, nem penduradas serão depois de terminarem as exposições. Viajam empacotadas de depósito de galeria em depósito de galeria. Trocam de mãos constantemente. Interessa apenas o valor financeiro realizado na troca. Como em tudo. A substância passou a ser o dinheiro, tudo o resto é subproduto. Encorajador.
O meu pai bem me falou da importância de um grande mercado e do sucesso da fábrica de pregos de duas cabeças. Hoje,com a institucionalização de compra e venda de perspetivas de ganhos em vez de produtos reais, nem fábrica precisa de existir, apenas a crença de que existe uma fábrica e um produto. Só isso já dá para especular e ganhar dinheiro.
sábado, abril 12, 2014
A música oficial do Mundial de Futebol é um insulto ao povo brasileiro.
sexta-feira, fevereiro 28, 2014
Não, não preparamos ninguém para exames...
Cada vez mais os País e Encarregados de Educação, quando questionam sobre este ou aquele professor, este ou aquele problema, concentram quase exclusivamente a sua atenção e preocupação na preparação para os exames.
Os problemas que apresentam são, de um modo geral, pertinentes e merecem a nossa total atenção e cuidado. Os objetivos, no entanto, pelos quais estes elementos da comunidade escolar querem ver esses problemas resolvidos não são os mesmos que nos incentivam à sua resolução. Pensamos de modo diferente o "ser uma escola".
Quando questionados sobre o facto de as aulas não servirem para preparar os alunos para os exames mas servirem para promover a aprendizagem de um conjunto de coisas e as competências para continuar essa mesma aprendizagem com autonomia respondem quase sempre "sim, claro, mas ele/a precisa de se preparar para o exame!". Percebo, mas isso assim não funciona.
Os exames já não existem para avaliar aprendizagens realizadas na escola mas são hoje o centro dos objetivos de pais, alunos e professores. Na prática o programa da disciplina dá lugar à matriz de um exame e este, assumidamente, serve para selecionar e não para avaliar.
Deixou de interessar o que se aprende e passou a interessar apenas a performance competitiva na resposta ao exame. Por esse motivo é natural que cada vez mais os melhores saibam menos. É fruto da pseudo-exigência do sistema instalado. O sistema de exames não garante uma avaliação justa (porque tenta a impossível tarefa de normalizar aprendizagens demasiado diversas), aplana as aprendizagens e reduz a sua profundidade (para conteúdos facilmente quantificáveis na avaliação) e implementa um sistema desumano de abandono sistemático e rejeição dos alunos que aprendem de modo diferente, a um ritmo diferente ou que simplesmente não aceitam a lógica de obediência e pensamento acrítico que a escola vai promovendo.
Creio que o fino fio que sustenta a escola hoje é a relação humana que os professores vão mantendo com os alunos em que a curiosidade e criatividade dos últimos estimula os primeiros a arriscar ensinar outras coisas.
É urgente alterar o centro de gravidade da escola. Centrar o seu trabalho na construção partilhada do conhecimento dos alunos e na sua vontade de continuar sempre a aprender. É urgente devolver a humanidade à escola numa altura em que, cada vez mais, se entende o seu trabalho como o da fábrica. Os alunos não são carros numa linha de montagem.
O trabalho da escola não se avalia com testes mecânicos, matemáticos. O trabalho da escola avalia-se com o olhar experimentado como o de um crítico de arte. Como quem olha para uma obra de um artista ou de um grupo de artistas. Com exigência, com recurso a muito conhecimento, de um modo estruturado e sistemático mas nunca com base em números que perderam há muito o seu sentido porque representam outros objetivos, outras metas.
Para fazer essa avaliação é fundamental perceberem todos o que se está a fazer na escola e porquê. É fundamental ter um projeto comum e no interesse dos alunos. Não é, acreditem, preparar para exames. Para isso os professores e as aulas podem facilmente ser substituídos por livros, páginas da internet, ou uma qualquer app. Para esse efeito a escola pode pura e simplesmente acabar.
Por isso, ainda que respeite muito os Pais e Encarregados de Educação que me procuram e me considere o seu mais importante aliado na educação dos seus educandos, ainda que me disponibilize infinitamente para os ajudar e resolver os seus problemas, muitas vezes me dá vontade de responder "Nós aqui não preparamos para exames, fazemos coisas diferentes. Nós somos uma Escola!"
segunda-feira, janeiro 13, 2014
Uns com os outros (Editorial para o Magazine DINÂMICAS #2)
Este texto foi publicado como editorial no Magazine DINÂMICAS #2 do curso de Design de Produto da Escola Artística de Soares dos Reis com o tema "Interações"(disponível neste link)
Formei-me pintor e acreditava, na altura, que a minha arte se fazia sozinho. Era semeada com os outros, sim, mas colhida numa solidão nem sempre fácil, como são todos os olhares para dentro. Gostava da solidão do fazer. Essa solidão realizava-se num silêncio que era, para mim, mais a ausência das palavras dos outros e sobretudo das minhas do que a ausência do som.
Embalava-me no fazer difícil da pintura. Sentia a tinta macia a espalhar-se, transparente, muito transparente, sobre uma tela cuja textura suave do papel de jornal lá colado me dava um prazer sublime. Os azuis, uns por cima dos outros, deixavam composições que me interessaram sempre mais a mim do que aos outros. Era uma coisa minha e por muito que gostasse de a partilhar nunca comunicou para fora com a eficácia que eu lhe imaginava naquelas formas ambíguas cheias de ironia e impossibilidade.
Um dia a escola abateu-se sobre mim com tanta força que o exigente exercício emocional de pintar se tornou insuportável. Precisava de calma e paz para depois as poder destruir na pintura. Sem essas a pintura era impossível. Nunca pintei para me curar de nada, antes pelo contrário.
Parei de pintar sem nenhum sentimento de perda definitiva. Os desafios que se me puseram punham à prova toda a minha capacidade de sonhar estruturas e de fazer coisas. Desenhava sem lápis sobre outros papéis mas comunicava mais e continuava a tentar fazer mossas na realidade teimosa.
A escola é um lugar diferente do atelier, da tela branca. É o lugar da partilha e do contacto humano constante. Deve ser o lugar da impossibilidade da solidão. Mas o que a torna diferente dos outros espaços e organizações do humano é a sua missão de contaminação. É o espaço da contaminação do conhecimento, do aprender a viver que não acontece em casa, do aprender a conviver com o outro, com a diferença. Contaminamo-nos uns com os outros constantemente. A solidão, quando acontece na escola, é patológica. É fruto do abandono, do isolamento, e contraria a sua identidade orgânica e coletiva.
O egoísmo também não tem lugar na escola. Não se faz nada sozinho. Ninguém deve ser abandonado a fazer sozinho. Uma escola é uma rede de gente a tratar com gente. Não fazemos parafusos nem vendemos seguros. Fazemo-nos gente. A todos. Por cada aluno que se constrói na partilha da escola vários professores se fazem, se transformam tanto como os seus alunos.
Esta partilha exige de cada um a capacidade para se conectar mas também a liberdade de se transformar, de crescer livre.
Este coletivismo, apesar de tudo, não assenta na diluição do indivíduo. Pelo contrário, constrói-se com indivíduos e estrutura-se na singularidade de cada um. A escola não é uma massa amorfa mas uma rede de nós, todos diferentes e todos livres.
Chamam à escola um "caos organizado" e com razão, mas esse caos não acontece por desleixo, é o caos do humano em ação. A escola deve obedecer cada vez mais a uma organização rizomática, em transformação permanente. Capaz de incluir cada um. Capaz de se alargar e conectar com outras estruturas. Sem perder a sua orientação, a sua razão de ser.
A Soares dos Reis, como as outras escolas artísticas, é uma escola do aprender do fazer. Do fazer com sentido, tão estruturado como criativo e livre. O conhecimento tem um resultado expressivo nas escolas artísticas. Não fica guardado nas dobrinhas do cérebro à espera de um questionário qualquer que o reifique num diploma ou numa classificação.
O sentido coletivo do fazer, do construir coisas, dá à Soares dos Reis um ar estranhamente homogéneo ao olhar estranho. Nos momentos mais acelerados, como é o final do ano, parece uma instituição em transe. Não podemos admitir que alguns desses olhares estranhos, vindos de cima, nos considerem menores ou menos capazes apenas por sermos produtivos, por fazermos coisas. Nas escolas também se aprende fazendo. Se calhar só se aprende fazendo.
Não podemos admitir que, de cima para baixo, a ignorância e a opacidade dos princípios destrua o sonho dentro de cada um que procura o seu sentido, o seu lugar no meio dos outros humanos.
As escolas de arte serão sempre portas para a realização de sonhos. Lugares para sonhadores. Sonhadores corajosos, sonhadores descarados, sonhadores em missão. Nessa missão é importante não esquecer que somos um coletivo de indivíduos, todos diferentes e todos ligados entre si. A fazer coisas ao mesmo tempo, coisas por vezes diferentes, por vezes iguais, com ritmos diferentes, objetivos e sentidos múltiplos mas sempre com o apoio uns dos outros.
A missão da Soares dos Reis é ajudar a concretizar esses sonhos. É ser o espaço organizado onde essa rede de indivíduos se suporta e se constrói livremente. Todos somos responsáveis por permitir ao outro que alcance o seu objetivo e esse é o verdadeiro propósito de uma comunidade educativa artística.
sábado, janeiro 11, 2014
A imoralidade dos Contratos de Emprego e Inserção
Não podia estar mais de acordo com o Daniel Oliveira sobre os Contratos de Emprego e Inserção.
Já em 2012, neste mesmo blog, me tinha insurgido contra um texto de Rui Rio onde era glorificado o seu programa de ocupação de beneficiários do Rendimento Social de Inserção, qualificando-o eu na altura como imoral e ilegítimo.
Como subdiretor de uma escola pública que se vê obrigada a recorrer a Contratos de Emprego e Inserção para ter o serviço a funcionar normalmente, posso afirmar que estes trabalhadores demonstram, na maioria dos casos, uma inexcedível dedicação ao trabalho e à organização e se tornam muitas vezes absolutamente imprescindíveis ao fim de um ano. Trabalhadores que sabem que não terão nunca um vínculo à organização. Nada. É generosidade e capacidade de trabalho em estado puro.
Temos alguns trabalhadores na Soares dos Reis nesta situação. Os que não se dedicam tanto ao trabalho na escola é sempre porque percebem o lado perverso do programa e não porque sejam maus trabalhadores.
Os serviços da escola, tanto na área administrativa como na dos assistentes operacionais, têm uma falta de funcionários crónica, grave, e o problema é "tapado com a peneira" dos CEI ano após ano. Sem reflexão da tutela, sem abertura de lugares para contrato e sem qualquer tipo de verificação real por parte dos gestores do programa nos centros de emprego e nos serviços centrais da tutela para comprovar sequer a necessidade do posto de trabalho. Ninguém faz nada e todos aceitam esta ilegalidade. A escola está de mãos atadas. É ter CEIs ou fechar a porta.
Os centros de emprego exercem esta política com um sadismo e perversão ainda mais acentuados porque, mantendo o serviço a mesma necessidade no ano seguinte, proíbem a manutenção do trabalhador que desempenhou bem a função no mesmo posto de trabalho para o programa seguinte. Mesmo quando o trabalhador quer ficar e o serviço o QUER MANTER obrigam à rotação. O argumento prende-se com o cumprimento da lei que implica que os postos de trabalho ocupados nos programas não sejam de caráter permanente. Na verdade os programas são aprovados ano após ano e compreendem necessidades permanentes. Este cumprimento austero do programa, apenas para um dos lados, é prejudicial a todos e não é ponderado. Para que o trabalhador não se acomode sacrifica-se o serviço público e a função específica do posto de trabalho. É um processo de pressão e de depressão imposta ao trabalhador para que este se sinta indefeso e dependente dos serviços do centro de emprego.
Isto tudo para além da profunda imoralidade da coisa, do sistema de remuneração e do modelo de contratação como, MUITO BEM, referiu o Daniel Oliveira no seu texto.
Estes trabalhadores merecem um contrato de trabalho. Merecem condições justas de remuneração para as funções que exercem e merecem manter o posto de trabalho quando, havendo necessidade, o serviço os quer manter.
Quem não defender isto vale tanto como um qualquer latifundiário do sul da América na primeira metade do séc. XIX. E acreditem que, a ver pelos comentários a esta notícia no Expresso, temos muitos Calvin Candies no armário cá em Portugal.
Os CEI representam o imaginário utilitarista e desumano de gente como o futuro comissário europeu Paulo Portas. Mas apesar de ser esta uma das medidas que ele sempre reivindicou foram os socialistas a implementar pela primeira vez (julgo não estar errado). Serve isto para comprovar o estado de alienação e infiltração das ideias neo-liberais desumanas na sociedade portuguesa.
Flexibilidade máxima, segurança mínima e dependência burocrática centralista. Trabalho mal pago e pago com os direitos do próprio trabalhador o que é tão grave como obrigar a trabalhar um reformado pelo valor da pensão e tomar esse valor como um salário justo. Sem perspectiva de ver o seu mérito e esforço reconhecidos e sendo pago pelos seus próprios descontos esta solução moderna de engajar trabalhadores é uma solução muito pouco ética e que deveria ser considerada inconstitucional.
Os CEI não são empregos falsos, inventados, como querem imaginar os conservadores delirantes de má consciência mas de sono pesado. São necessidades levantadas pelos gestores dos serviços públicos para vagas quase sempre permanentes (o que é manifestamente ilegal mas é ignorado pelos serviços centrais e pelo governo). Viver bem com esta situação é não ter um pingo de ética ou humanidade. É um defeito de caráter. Não reconhecer isto é pura e simplesmente ser ignorante. Não podemos continuar a aceitar que o Estado trate o desempregado como alguém que merece um castigo, como um condenado do utilitarismo meritocrático do moderno mercado do trabalho.
Não esqueçamos que boa parte dos nossos governantes, deputados e demais moscas, devem os seus rendimentos e postos de trabalho apenas ao cartão do partido e à militância mais ou menos acrítica em favor dos seus financiadores e clientes de favores. Não há mérito nem conhecimento envolvidos no processo. Há sobretudo falta de pudor.
Os Contratos de Emprego e Inserção são um regime de escravatura e devem ser denunciados.