terça-feira, outubro 29, 2013

Que chatice agora as ciganinhas loiras...

A Europa racista estava com o pito aos pulos. Tinham roubado uma loirinha do seu berço de ouro e encontraram-na na Grécia, pátria de todos os pecados. Esses perigosos e pérfidos ciganos, raça maldita, tinham sequestrado uma filha do sol, uma herdeira da fortuna, enfim, uma ariana.

Porquê? Para vender ou escravizar. A ruindade desta gente, destes morenos itinerantes, não tem limites.

Maria, a tal menina loira, vem-se a saber afinal, é proveniente de uma família cigana búlgara e foi abandonada na Grécia, por onde a família andou. Terá sido abandonada por falta de dinheiro para a sustentar. "Abandonada" a troca de dinheiro ou não, isso é que já não sei.

No Reino Unido, pátria de insossos racistas, a esperança de encontrar Maddie no barracão ao lado do "Anjo loiro", como de pronto chamaram a Maria, contagiou toda a gente. Na Irlanda uma menina cigana foi retirada à familia por ser loira. Só isso. Mais tarde foi devolvida aos pais por se ter provado com teste de ADN que era realmente a filha do casal. Um pouco ao lado, ainda na Irlanda, um pequeno rapaz de 2 anos passou pelo mesmo. Até em Portugal se alinha na farsa monumental. Falava-se, por exemplo, do bando de ciganos que andava a roubar casas por alturas do caso da Maddie. Teriam esses monstros roubado Maddie? Acham coincidência dizerem isso agora? Ciganos? A sério?

O tráfico de crianças existe mas dificilmente se pode atribuir aos ciganos europeus a responsabilidade pelo mesmo. Por outro lado é evidente e preocupante a preferência dada aos casos das meninas loiras e tal seleção, por parte das polícias, da comunicação social e da opinião pública, revela fantasmas nojentos nas velhas consciências europeias.

Não consta, apesar de tudo, que a procura por "anjinhos loiros" para o mercado da pedofilia seja criada por ciganos. Consta inclusive que muitos daqueles senhores, disfarçados de estola e batina, que nos Estados Unidos ou na Polónia comiam crianças ao pequeno almoço, tinham o olhinho azul, também eles.

A minha mãe, quando eu era pequeno, já me dizia, num inocente assomo racista que eu lhe perdoo, "Se não te portas bem vou-te dar aos ciganos!".

Só posso concluir, pelos casos recentes, que a minha tez morena acabou por obrigar os meus pais à difícil tarefa de me educar até ao fim, enfim, até hoje. Tivesse eu o olho azul e o cabelo dourado como as estrelas e quem sabe...

Não há vergonha nesta Europa neo-liberal de gosto ariano. Não há sequer um esforço em disfarçar.

“Todos os paises envolvidos nesta história são da União Europeia. E o caso revela que a Europa não está conciliada com a sua própria realidade. A Europa é diversa, tem todos os tipos de pele e a maioria dos grupos étnicos do mundo, mas percebemos que a realidade sociológica avançou mas que os nossos estereótipos não se adequam à realidade”, afirma o sociólogo Pedro Góis numa excelente reportagem do Público.

Multiplicam-se os getos na Grécia e na Bulgária. Multiplicam-se os getos criados pela austeridade, defendida por todo o lado como a salvação do sistema. Sem pudor criam-se pobres todos os dias em nome da riqueza. Quando a coisa aperta recorre-se ao racismo e à xenofobia para pôr uns pobres contra os outros. É o trabalho das extremas direitas. Foi o que aconteceu em França com a menina cigana Leonarda Dibrani. Filha de um pai Kosovar que se viu obrigado a mentir para ter um país para os seus filhos. Para que estes tivessem um oportunidade.

Com o avanço do desemprego e da pobreza nos países abrangidos por programas de empobrecimento difarçados com o nome de "programas de assistência" os ciganos do futuro são os europeus do sul. São os mais pobres. Esses devem ser mantidos à distância e a trabalhar por um salário pequenino, com poucas mordomias do Estado.

No norte da Europa, onde os naturais usufruem de um generoso e amplo Estado Social, a escravatura laboral aos estrangeiros, mesmo sobre os caucasianos do sul, é algo perfeitamente natural. Para eles somos todos um pouquinho ROMANI, de tez morena e patilha atrevida. É cultural, e tudo se perdoa ao mais rico. A superioridade ariana não é posta em causa. Os arianos do norte são obedientes, organizados, não cospem no chão e respeitam as passadeiras. E são tão bonitinhos... parecem pontinhos de luz. E que grandes? Um orgulho para o Sapiens Sapiens.

Se não refletirmos sobre estes fenómenos racistas e não os denunciarmos situações como estas, como o que aconteceu em França ou o caso da Irlanda, serão cada vez mais frequentes e a pouca réstia de humanidade que temos esfuma-se.

sexta-feira, outubro 25, 2013

Qual guião para qual reforma?

Zombie Love will doom us all
"Zombie Love will doom us all" é uma ilustração em iPad de José António Fundo.

Segundo a TVI, Pedro Passos Coelho terá alterado a agenda do próximo Conselho de Ministros, para incluir a aprovação (tácita) do guião da reforma do Estado apenas depois de o ter anunciado no Parlamento.
Ao que aprece esta medida surpreendeu inclusive alguns ministros que nada sabiam do assunto. As declarações de Passos Coelho no parlamento tresandam a improsivo auto-justificativo.
Este fait-divers revela, apesar de tudo, alguma leviandade e muita irresponsabilidade governativa por parte do Primeiro Ministro. Passos Coelho pretende fazer passar como uma qualquer portaria, sem qualquer tipo de reflexão ou participação pública, uma medida que visa promover uma mudança de regime político e de modelo de administração e assistência aos cidadãos, sem que para isso tenha qualquer mandato eleitoral. O modo leviano como a expressão "reforma do estado" é utilizada pelo governo, na assembleia da república e nas infinitas crónicas nos jornais e na televisão, sem que seja feito qualquer esforço no sentido de gizar um princípio lógico e coerente que a defina, é bem reveladora da mediocridade política em que vivemos. Basta dizer "reforma do estado" e temos panaceia para tudo e mais alguma coisa. 
O povo português alinha no discurso. Em Portugal tudo se aceita. Este centralismo burocrático autoritário de inspiração iluminista está no nosso ADN. O autoritarismo é bem-vindo. É um berço que nos embala num comodismo comovente. Comove a comunidade internacional que se embevece com a nossa obediência suicidária num misto de espanto e troça. Que Deus nos proteja é o que a sociedade portuguesa mais deseja. Até ver nem sinal da salvação divina. Apenas o castigo devido por esta existência ímpia que caracteriza qualquer povo que confia no Estado para o assistir quando precisa.
Passos Coelho acha que tem competência ou mesmo o direito de reformar o que quer que seja. Está enganado.
Se alguma reforma do estado deve haver é no sentido de evitar que aquilo que aconteceu nos últimos dois anos se volte a passar.
É inadmissível imaginar que estes sacrifícios que todos fizemos (bem, uns mais do outros) serviram para absolutamente nada. Serviram para deixar uns cobres nuns bancos geridos por atrasados mentais com fatos caros e deixar a população mais pobre. Dívida gorda, economia anémica e cofres cheios para pagar juros que aumentam à medida que vamos mostrando vontade de os pagar.
Com o argumento único de que os ricos e poderosos devem continuar ricos e poderosos para manter o status quo que a todos nos alimenta, tudo se legitima. Todas as medidas se justificam.
Em junho falava-se de um guião aberto para a reforma. Com a participação de todos. Agora o PM faz caixinha e esconde o que quer fazer. Tipo jogo.
Dificilmente esconde que não faz a mínima ideia do que vai apresentar. Será tudo à pressa e a fingir. Paulo Portas, esse ideólogo da nação, mais uma vez participará na farsa sendo um forte candidato ao prémio do maior contorcionista político da história moderna. 
O governo tem um conceito, isso concedo. O Estado não pode pagar a assistência que atualmente faz às famílias. Mas, por outro lado, pode pagar a empresas privadas para o fazer. Para isso já há dinheiro.
Como na educação, o ministro Nuno Crato não tem dinheiro para a escola pública mas acha que pode dar mais às escolas privadas. Faz sentido. 
As suas secretárias e motoristas ganham mais do que a esmagadora maioria dos professores - essa corja que se arrasta pelo chão dos estabelecimentos de ensino público com a mania que partilham conhecimento ou que promovem algum tipo de evolução. Toda a gente sabe que o sucesso e a eficácia depende sobretudo das secretárias e dos motoristas do governo. O mérito a quem o merece.
A reforma do estado vai ser o toque a rebate para o assalto final ao agora super interessante bolo dos impostos, sobretudo o IRS que aumentou em 30%. Será um real banquete de zombies. Á maneira antiga.
Tudo privatizado, uma alegria! É a solução para todos os problemas. Isso e manter os pobres afastados como se fossem leprosos no séc. XIII. De preferência com sininho e tudo. Em escolas profissionais para operários e funcionários dos serviços. Salários baixos, lucros altos. Uma economia atrofiada mas que garante a manutenção desta ordem social. Cada macaco no seu galho.
A ideia de reformar o estado, que está em permanente reforma para quem ainda não percebeu, não se cumpre num guião escrito por um governo. Muito menos por este governo. Muito menos se reforma o estado em estado de emergência. Esse sentido abrirá as portas a todo o tipo de ideias radicais e emergencialistas.
A sociedade está partida, não há emprego, não há dinheiro a circular na economia. Aqueles que pagam os impostos vêm o seu salário diminuir e aqueles que fogem aos impostos ganham perdões e reduções com o argumento de revitalizar a economia. Só se for a do bolso deles.
Antes de reformar o estado é necessário trocar de governo. Discutir soluções de modo realista e com ideias às claras. Sem boicotes na comunicação social onde os economistas da mesma coisa defendem o indefensável todos os dias à espera do tal gabinete, do motorista e da secretária. Parem a Casa dos Segredos e expliquem como vão viver milhares de famílias sem educação pública de qualidade, saúde pública ou auxílio para a manutenção da sua dignidade e qualidade de vida. E expliquem também quem vai pagar às empresas privadas que querem que assumam essas funções públicas. De onde vem esse dinheiro? Digam-me. E para onde vai?