sexta-feira, dezembro 27, 2013

As Bimbys e a inteligência dos portugueses.

O Wall Street Journal pela pena da jornalista Patricia Kowsmann publicou em 25 de dezembro um texto sobre a compra de Bimbys em Portugal. O destaque ao nosso país, está claro, é causado pelo nosso estado de insolvência económica. O título da peça "Mesmo em tempos difíceis Portugal adora as suas Bimbys" tem um pendor claramente pejorativo. O que lhe está subjacente é a ideia de que qualquer tendência de consumo em Portugal deve ser julgada como uma insensata moda despesista de mais um desregulado país do Sul da Europa. É assim que o lêem os americanos e o interpretam os media portugueses e logo será assim entendido pelo fundamentalismo económico das sumidades pró-austeridade.

Esta questão merece alguma reflexão dada a cobertura nos média e nas redes sociais e as habituais reações a quente. Vejamos:

  1. O país que vende armas em supermercados (280 milhões de armas em mãos civis) e inventou o termo TV-Dinner fascina-se facilmente com um povo que compra um eletrodoméstico para cozinhar em casa, e jantar em família. Não um telefone para encomendar pizzas, nem um micro-ondas para aquecer algo congelado. Um eletrodoméstico para cozinhar alimentos frescos. Espantoso.
  2. O povo português, em vez de perceber o elogio que está subjacente a tal destaque mediático dado à sua opção em termos de investimento, em detrimento doutros investimentos mais populares nos países ditos civilizados, chama "modernice" à tal máquina e baixa os olhos em vergonha perante tal achado estatístico.

Conclusão:

As reportagens na Televisão e alguns comentários nas redes sociais, como de costume, revelam os vícios do comentarismo pós-moderno. Pouca reflexão e pensamento unidimensional.

Vão atribuir este facto estatístico à falta de educação económica dos portugueses e à sua predileção pela brejeirice consumista. Já se fez o mesmo com os telemóveis. Esses mesmos que hoje todo o mundo usa.

Mas há outras formas de ler a realidade destes factos.

A "Bimby", como lhe chamam (o seu nome verdadeiro é Thermomix, nem nos EUA lhe chamam Bimby o que torna o título da notícia muito estranho), é um aparelho como outro qualquer para preparar alimentos. Muito usado em restaurantes de topo (esta é para os puristas engolirem) e noutros mais modestos, inclusive no famoso programa Masterchef. Só lhe sente utilidade quem sabe cozinhar e procura variar a ementa. A Bimby não cozinha por nós mas atalha caminhos. Há vários modelos de várias marcas. É importante pensar porque é que um povo pobre decide investir numa máquina para cozinhar em casa e cozinhar de modo variado. É importante refletir o quanto isso representa em termos de inteligência económica, sustentabilidade, qualidade de vida e saúde.

Bem sei que é fácil rir e muitos haverá, no poder, a dizer "Estão a ver! Ainda há dinheiro para Bymbis! Esses esbanjadores lusos! Corta-lhes no vencimento!". Na verdade, um povo mais pobre, que fica em casa, que poupa nos alimentos, soube bem onde investir. Na mesa dos filhos e na variedade da sua dieta. Não sejam burgessos e não digam tolices a este propósito. Portugal tem um povo deseducado mas não estúpido como aqueles que o governam.

 

quarta-feira, dezembro 25, 2013

A encomenda ao Pai Natal

Ainda há poucos dias os "Gato Fedorento" nos brindaram com a mais profunda honestidade humorística e "tentaram" contratar Steven Seagal para, enfim, dar uma carga de porrada no Primeiro Ministro.

Muitas vozes se levantaram contra os "Gato Fedorento". Algumas, mais tristes, acusaram-nos de falta de piada. Impossível, neste caso. Outros, os do politicamente correcto, acusaram-nos de ser incorrectos. De apelar à violência.

Na verdade o que fizeram foi o mais simples humor político usando para isso um desejo (não tão secreto quanto isso) de uma boa parte dos portugueses. Claro que é necessário ter algum sentido de humor e ironia. Pagar a Seagal com azeite e pasteis de nata tem graça e ilustra, com imensa ironia, a descapitalização da nossa economia e como, em seu resultado, as nossas exportações ganham terreno na nossa balança comercial. Tudo normal.

Como é Natal imaginei que a mesma encomenda pudesse ser feita ao Pai Natal. E aqui está o desenho. Com uma pequenos acrescentos à versão publicada no dia 24 no meu Facebook.

O Natal, para mim, é estar em família, é uma trégua, um momento de partilha e generosidade. Lamento que cada vez menos portugueses possam ter um Feliz Natal à conta desta gente que nos governa. Não consigo ficar impávido e muito menos sereno perante o actual estado de coisas.

2014 vai ser pior para uma data de gente, para quase toda a gente. Será melhor apenas para aqueles para quem 2013 nem foi muito mau, ou foi mesmo bom. Para os do costume. Os que vivem do sistema, que o sugam como se não houvesse amanhã, literalmente. Esses, sem pudor, já anunciam o seu sucesso no meio de festejos enquanto empobrecem tudo quanto tocam.

Por isso não podemos abdicar do nosso sentido de humor, do nosso sentido crítico, da nossa liberdade de expressão. E que esse humor seja tão cáustico que envergonhe os sem vergonha. Contra tudo e contra todos se for preciso.

Feliz Natal.

 

quinta-feira, dezembro 19, 2013

Bad Science, ou as contradições de um cientista de qualquer coisa.

Há um mito urbano a circular nos média, nas redes sociais e nos círculos de poder desde já há algum tempo. O mito de que Nuno Crato é um cientista que percebe de educação. Que domina o tema da administração e organização escolar. Que sabe muito.

É um mito falso, não é a verdade. Enraizado socialmente, este mito fundador de que o político domina a ciência por detrás do rito da governação do seu ministério, tornou-se um inquestionável sofisma na defesa de um conjunto de princípios de ação que estão longe de estar provados.
Como rito que é assistiu-se a uma autêntica peregrinação ideológica no sentido do que o senhor defende. Hordas de (pseudo) pensadores, seguiram a doutrina e afirmaram-na como verdade absoluta. O evangelho de Crato, denunciador de ímpios pensamentos que defendiam o "facilitismo" na educação sob o argumento romântico de que todas as crianças nascem boas e devem crescer, como as galinhas do campo, livres dos constrangimentos do saber e do conhecimento.
A consciência acrítica dos média vem agora aos poucos por em causa os princípios do senhor ministro. Parece que afinal, lá na Europa, uns senhores (doutores da verdadeira área em que Nuno Crato se doutorou) publicaram um estudo que comprova duas coisas:

  1. O paradigma do mercado e da livre escolha aplicado simplesmente ao sistema educativo tem efeitos negativos nos resultados.
  2. Os princípios pedagógicos, curriculares e organizativos do sistema educativo português, concebidos e implementados pelos adeptos do "eduquês" romântico e construtivista, melhoraram os resultados e aumentaram a equidade das aprendizagens entre os alunos.

Curiosamente os mesmos média recusam-se ainda a aceitar que o mito possa ser falso. Como exemplo convocamos Rui Costa que no Expresso afirma que "Nuno Crato chegou ao governo com uma vantagem sobre boa parte dos seus colegas. Ao contrário de muitos ministros tinha um pensamento continuado e sólido sobre a área que foi chamado a dirigir." Nada mais errado. Tinha um livro recebido com desdém pela academia. Nem um artigo científico nem uma formação académica relevante sobre educação ou sobre políticas educativas.
Agora, a propósito de uma prova completamente inútil de acesso à profissão docente, o ministro Nuno Crato apresenta como justificação a sua "desconfiança" na formação dos professores das Escolas Superiores de Educação. O ministro cientista, pelos vistos, toma decisões com base no instinto, em pressentimentos ou pior, com base no preconceito. Não há ciência na base das opiniões sobre educação e sobre formação de professores.
Vejamos algumas contradições no seu discurso:

  1. Nuno Crato cria uma prova com duas componentes. Uma prova para "capacidades mínimas" de conhecimentos transversais e competências de raciocínio. E uma outra prova de conhecimentos científicos nas áreas específicas de lecionação. Não há pedagogia à vista.
  2. Nuno Crato acha que os professores sabem pouco das matérias científicas que lecionam mas não desconfia tanto das capacidades pedagógicas que, segundo diz, vão ser avaliadas dentro do sistema, na avaliação de desempenho. No entanto quando fala da necessidade da prova justifica-a com a necessidade de um profissional provar que sabe fazer aquilo para que é contratado. Como os professores são contratados para dar aulas... não se entende.
  3. Mas Crato em entrevista à RTP afirma, faltando à verdade, que os professores que entram na profissão não foram julgados antes. Na verdade todos os professores profissionalizados passam por um estágio, aulas assistidas e realizam cadeiras de didática específica das áreas para as quais estão formados. Isto ele não diz ou não sabe.
  4. Mas porque sabem tão pouco das suas áreas os professores? Se acederam ao ensino superior, ainda que a escolas politécnicas (atenção que estou a ser irónico), e com o 12º ano concluído com sucesso, qual é o problema? As escolas selecionam mal? Para isso o ministro tem duas respostas - Exames à entrada dos cursos e alteração dos currículos dos mesmos. Ora bem, por exemplo, o curso de Educação Básica da Escola Superior de Educação de Lisboa exige, à entrada, o exame de Português mais um dos seguintes: Biologia, Geologia, Filosofia, Física e Química, Geografia, História ou Matemática. Chega? Faça você mesmo a pesquisa para outras escolas neste link. Por outro lado os currículos das Escolas Superiores de Educação sempre foram supervisionados pelo próprio ministério que ele tutela e têm sido suficientes. O PISA está aí para o provar.

Se Crato considera que os resultados do PISA são fruto apenas da aplicação dos exames do básico e da divulgação dos resultados das escolas, o que está a dizer é que os professores têm todas as capacidades e só lhes faltava a obrigação da prestação de contas para serem eficazes. Não é isso que ele diz quando defende a prova. O que o Ministro quer é "os melhores" a dar aulas. A frase mais dita é "os melhores". Melhores como quem? Como ele? Não tem formação superior na área da educação e é ministro. O primeiro ministro? Esse é um dos melhores? Hummm... Os boys contratados para o governo acabadinhos de sair das faculdades e tão saltitantes nas hostes da JSD? São esses os melhores?
Por exemplo, quando se trata de escolher pessoas para o Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades da Fundação para a Ciência e Tecnologia, escolhem-se os melhores? Ou os amigos?
Mas por falar Ciências. Que provas científicas tem Nuno Crato de tudo o que afirma? O que apresenta o estatístico Crato como defesa das suas teorias? Nada. Não tem um estudo, um trabalho. Tem uns livros americanos a defender a educação competitiva em regime de mercado livre num país em que as estatísticas e os estudos provaram que essas mesmas estratégias aprofundam as desigualdades, diminuem a igualdade de oportunidades. Mais nada.
Nuno Crato defende um sistema educativo que promove a reprodução social
Nuno Crato é o ministro cientista sem ciência. É um preconceituoso da educação que toma medidas com base no que culturalmente foi acreditando que é a escola e não no que realmente ela é. Com não-ciência a conduzir a sua cadeia de decisões Crato não vai resolver problema nenhum.

Actualização: O jornal Público deixa claro nesta notícia a falácia do argumento de Nuno Crato acerca da alegada deficiente formação de professores. A agência de acreditação do ensino superior, a A3ES fechou muito poucos cursos de formação de professores e todos de instituições privadas. Mais ainda, a lei obriga a que os cursos sejam iguais, deitando por terra o argumento do Ministro.


O título deste post foi inspirado no site Bad Science de Ben Goldacre, cronista de ciência do The Guardian.

 

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Crato o dominador ou o prazer lusitano da submissão.

A tradição centralista, conservadora e de submissão normativa tende, na cultura portuguesa, a naturalizar tanto as más como as boas práticas de modo indiferenciado. Basta, para o efeito que estejam devidamente normatizadas. A distância temporal e ideológica aos conceitos que estão na base de uma norma vão provocando uma deterioração na interpretação do seu cumprimento, tornando-se este um formalismo sem sentido e com objetivos e/ou resultados que podem, em última análise, ser contrários ao seu princípio inicial.

Tudo isto para dizer que, infelizmente, dentro de poucos anos a prova de acesso à carreira será romaria habitual para carneiros docentes enviados ao sacrifício.

A sociedade portuguesa adulta é pouco escolarizada, fruto de uma democracia pouco participativa e tardia. Sem sentido crítico vai aplaudindo estes laivos de Estado Novo revisitado. Exige-se sobre o outro o que não se exige a si próprio. Dificulta-se a vida ao mais novo com o falso argumento da eterna e infinita deterioração do ADN. Os mais jovens são sempre piores do que as gerações anteriores. Em tudo. "Antigamente é que era bom" como dizia o graffiti na parede da escola.

Agora que uns "moderados" venderam barato a dignidade dos jovens licenciados que estudaram para ser professores, o caminho está aberto a este processo de "naturalização" da prova. O ministro tem uma vitória entregue numa bandeja. O mesmo ministro que chama "pacote de medidas" a atirar exames para cima de qualquer problema. Um ministro de um governo chefiado por um mau aluno, um economista medíocre, sem currículo que não seja sacar uns subsídios numa empresa de formação que nunca deu formação a ninguém. O governo do Relvas. O governo que era dos técnicos geniais, os mesmos que já foram substituídos pelos lacaios partidários.

A mediocridade do governo, do ministro, das suas medidas, são fruto de uma naturalização da incompetência que o povo português aceita com facilidade.

Por isso, daqui por uns anos, em dezembro, haverá a habitual romaria dos contratados à prova de acesso à profissão docente e as escolas de professores ensinarão para a resolução dos problemas da prova, em vez de se debruçarem sobre o currículo ou sobre a pedagogia e a aprendizagem.

O sadismo insano de Nuno Crato, sobre os professores ou sobre os alunos, é visto como uma autoridade produtiva e necessária por um Portugal que cheira a mofo e bolas de naftalina e é patologicamente submisso. A FNE deu voz a esse Portugal e deu uma saída ao ministro que, sem oposição, vai paulatinamente destruindo a educação portuguesa.

 

Crato dominatrix ou o prazer lusitano da submissão.

A tradição centralista, conservadora e de submissão normativa tende, na cultura portuguesa, a naturalizar tanto as más como as boas práticas de modo indiferenciado. Basta, para o efeito que estejam devidamente normatizadas. A distância temporal e ideológica aos conceitos que estão na base de uma norma vão provocando uma deterioração na interpretação do seu cumprimento, tornando-se este um formalismo sem sentido e com objetivos e/ou resultados que podem, em última análise, ser contrários ao seu princípio inicial.

Tudo isto para dizer que, infelizmente, dentro de poucos anos a prova de acesso à carreira será romaria habitual para carneiros docentes enviados ao sacrifício.

A sociedade portuguesa adulta é pouco escolarizada, fruto de uma democracia pouco participativa e tardia. Sem sentido crítico vai aplaudindo estes laivos de Estado Novo revisitado. Exige-se sobre o outro o que não se exige a si próprio. Dificulta-se a vida ao mais novo com o falso argumento da eterna e infinita deterioração do ADN. Os mais jovens são sempre piores do que as gerações anteriores. Em tudo. "Antigamente é que era bom" como dizia o graffiti na parede da escola.

Agora que uns "moderados" venderam barato a dignidade dos jovens licenciados que estudaram para ser professores, o caminho está aberto a este processo de "naturalização" da prova. O ministro tem uma vitória entregue numa bandeja. O mesmo ministro que chama "pacote de medidas" a atirar exames para cima de qualquer problema. Um ministro de um governo chefiado por um mau aluno, um economista medíocre, sem currículo que não seja sacar uns subsídios numa empresa de formação que nunca deu formação a ninguém. O governo do Relvas. O governo que era dos técnicos geniais, os mesmos que já foram substituídos pelos lacaios partidários.

A mediocridade do governo, do ministro, das suas medidas, são fruto de uma naturalização da incompetência que o povo português aceita com facilidade.

Por isso, daqui por uns anos, em dezembro, haverá a habitual romaria dos contratados à prova de acesso à profissão docente e as escolas de professores ensinarão para a resolução dos problemas da prova, em vez de se debruçarem sobre o currículo ou sobre a pedagogia e a aprendizagem.

O sadismo insano de Nuno Crato, sobre os professores ou sobre os alunos, é visto como uma autoridade produtiva e necessária por um Portugal que cheira a mofo e bolas de naftalina e é patologicamente submisso. A FNE deu voz a esse Portugal e deu uma saída ao ministro que, sem oposição, vai paulatinamente destruindo a educação portuguesa.