sábado, janeiro 11, 2014

A imoralidade dos Contratos de Emprego e Inserção

Não podia estar mais de acordo com o Daniel Oliveira sobre os Contratos de Emprego e Inserção.

"Estes desempregados trabalham, no período de um ano, para o Estado e para IPSS, com horários e deveres iguais aos restantes trabalhadores, em troca do subsídio a que já tinham direito e para o qual descontaram. A esse subsídio acresce um complemento de 20% do Indexante de Apoios Sociais, pago pela "entidade promotora" (assim é chamado o empregador), o que corresponde a 83 euros por mês, mais subsídio de transporte e alimentação. Sendo que a tal "bolsa mensal" de 83 euros é, quando as instituições "promotoras" são privadas, paga em 50% pelo Estado. No caso da CEI+ a responsabilidade financeira do Instituto de Emprego e Formação Profissional é de 90% e o trabalho é pago pelo valor total de 419 euros (correspondendo ao total do Indexante de Apoios Sociais). O que significa que o Estado e IPSS (que são apenas responsáveis pelo pagamento de 42 euros) contratam trabalhadores a tempo inteiro a receber abaixo do Salário Mínimo Nacional."

Já em 2012, neste mesmo blog, me tinha insurgido contra um texto de Rui Rio onde era glorificado o seu programa de ocupação de beneficiários do Rendimento Social de Inserção, qualificando-o eu na altura como imoral e ilegítimo.

Como subdiretor de uma escola pública que se vê obrigada a recorrer a Contratos de Emprego e Inserção para ter o serviço a funcionar normalmente, posso afirmar que estes trabalhadores demonstram, na maioria dos casos, uma inexcedível dedicação ao trabalho e à organização e se tornam muitas vezes absolutamente imprescindíveis ao fim de um ano. Trabalhadores que sabem que não terão nunca um vínculo à organização. Nada. É generosidade e capacidade de trabalho em estado puro.

Temos alguns trabalhadores na Soares dos Reis nesta situação. Os que não se dedicam tanto ao trabalho na escola é sempre porque percebem o lado perverso do programa e não porque sejam maus trabalhadores.

Os serviços da escola, tanto na área administrativa como na dos assistentes operacionais, têm uma falta de funcionários crónica, grave, e o problema é "tapado com a peneira" dos CEI ano após ano. Sem reflexão da tutela, sem abertura de lugares para contrato e sem qualquer tipo de verificação real por parte dos gestores do programa nos centros de emprego e nos serviços centrais da tutela para comprovar sequer a necessidade do posto de trabalho. Ninguém faz nada e todos aceitam esta ilegalidade. A escola está de mãos atadas. É ter CEIs ou fechar a porta.

Os centros de emprego exercem esta política com um sadismo e perversão ainda mais acentuados porque, mantendo o serviço a mesma necessidade no ano seguinte, proíbem a manutenção do trabalhador que desempenhou bem a função no mesmo posto de trabalho para o programa seguinte. Mesmo quando o trabalhador quer ficar e o serviço o QUER MANTER obrigam à rotação. O argumento prende-se com o cumprimento da lei que implica que os postos de trabalho ocupados nos programas não sejam de caráter permanente. Na verdade os programas são aprovados ano após ano e compreendem necessidades permanentes. Este cumprimento austero do programa, apenas para um dos lados, é prejudicial a todos e não é ponderado. Para que o trabalhador não se acomode sacrifica-se o serviço público e a função específica do posto de trabalho. É um processo de pressão e de depressão imposta ao trabalhador para que este se sinta indefeso e dependente dos serviços do centro de emprego.

Isto tudo para além da profunda imoralidade da coisa, do sistema de remuneração e do modelo de contratação como, MUITO BEM, referiu o Daniel Oliveira no seu texto.

Estes trabalhadores merecem um contrato de trabalho. Merecem condições justas de remuneração para as funções que exercem e merecem manter o posto de trabalho quando, havendo necessidade, o serviço os quer manter.

Quem não defender isto vale tanto como um qualquer latifundiário do sul da América na primeira metade do séc. XIX. E acreditem que, a ver pelos comentários a esta notícia no Expresso, temos muitos Calvin Candies no armário cá em Portugal.

Os CEI representam o imaginário utilitarista e desumano de gente como o futuro comissário europeu Paulo Portas. Mas apesar de ser esta uma das medidas que ele sempre reivindicou foram os socialistas a implementar pela primeira vez (julgo não estar errado). Serve isto para comprovar o estado de alienação e infiltração das ideias neo-liberais desumanas na sociedade portuguesa.

Flexibilidade máxima, segurança mínima e dependência burocrática centralista. Trabalho mal pago e pago com os direitos do próprio trabalhador o que é tão grave como obrigar a trabalhar um reformado pelo valor da pensão e tomar esse valor como um salário justo. Sem perspectiva de ver o seu mérito e esforço reconhecidos e sendo pago pelos seus próprios descontos esta solução moderna de engajar trabalhadores é uma solução muito pouco ética e que deveria ser considerada inconstitucional.

Os CEI não são empregos falsos, inventados, como querem imaginar os conservadores delirantes de má consciência mas de sono pesado. São necessidades levantadas pelos gestores dos serviços públicos para vagas quase sempre permanentes (o que é manifestamente ilegal mas é ignorado pelos serviços centrais e pelo governo). Viver bem com esta situação é não ter um pingo de ética ou humanidade. É um defeito de caráter. Não reconhecer isto é pura e simplesmente ser ignorante. Não podemos continuar a aceitar que o Estado trate o desempregado como alguém que merece um castigo, como um condenado do utilitarismo meritocrático do moderno mercado do trabalho.

Não esqueçamos que boa parte dos nossos governantes, deputados e demais moscas, devem os seus rendimentos e postos de trabalho apenas ao cartão do partido e à militância mais ou menos acrítica em favor dos seus financiadores e clientes de favores. Não há mérito nem conhecimento envolvidos no processo. Há sobretudo falta de pudor.

Os Contratos de Emprego e Inserção são um regime de escravatura e devem ser denunciados.

 

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