Tão perto do 25 de Abril, a partir de um evento sobre o evento, lembrei-me de dizer duas ou três coisas sobre o assunto dos eventos sobre o evento. Há um folclore ligado ao 25 de Abril e aos anos setenta portugueses, resultado da nossa cultura e património artístico musical, imagético, literário e poético dessa época. A celebração de uma revolução pode ser sempre contextualizada no facto histórico devidamente datado e não passar disso. Acontece assim quando a relevância política da mesma desaparece da memória colectiva e deixa de fazer sentido na vida diária dos povos. Quando é apenas uma lembrança dos livros de história. Não acho que isso se passe com o 25 de Abril. Não acredito que as vitórias da nossa revolução sejam apenas lembranças de um livro de história ou motivo de estudo de um doutorando qualquer na Torre do Tombo. Acredito que as lições do 25 de Abril são relevantes hoje mais do que o foram nos anos quentes do período pós-revolucionário. É necessário reflectir sobre a guerra, sobre o conceito de guerra, sobre as guerras racistas que insistimos hoje em fazer. Sobre o facto de ter sido a guerra e os guerreiros (leia-se soldados, militares) a alimentar a revolução e a acordar de uma letargia politica aflitiva e asfixiante um povo que, na sua maioria, prefere sempre deixar-se estar como está e não mudar nada, porque mudar incomoda. Essa letargia existe hoje tanto como ontem. Neste contexto questiono-me sobre o interesse de fixar a ideia de 25 de Abril à música do Zeca e do Adriano, aos cravos, ao imaginário estético do realismo socialista de raiz Estalinista (sim porque a revolução de Outubro de 1917 foi a das vanguardas e depois de 1927 as pinturas começaram a ter punhos no ar e foices e martelos e operários e só isso, só isso mesmo), à poesia da Sophia de Melo Breyner, da Natália Correia ou do Manuel Alegre. Questiono-me se não será redutor associar insistentemente a celebração da data a este património cultural tão localizado no tempo. Atenção que a importância artística destes autores não está em causa, antes pelo contrário alguns deveriam ser lembrados mais vezes do que apenas no 25 de Abril. Acho, por outro lado, que as obras dos artistas de hoje também são as da liberdade, as da democracia. Devemos procurar a democracia na nossa cultura actual, na nossa arte. Afirmar a vitória da revolução pela liberdade de fazer novo, de fazer diferente. Chamam-me por vezes pós-moderno, algo que nem sequer está bem definido do ponto de vista teórico, mas creio que verdadeiramente pós-moderno é o burguês que põe o cravo na lapela e canta a Grândola uma vez por ano e que no dia seguinte defende políticas elitistas nas escolas públicas, se opõe aos rendimentos mínimos e compra acções da EDP e da Portugal Telecom e vende ao sabor do mercado anarco-liberal que nos abafa. Aquele que acha normal pagar nos hospitais e nos tribunais e cobrar €1500 por ano a um aluno que frequenta o ensino superior público. O revolucionário da aparência e do folclore é que é o pós-moderno. A democracia serviu e serve também para esses se manifestarem à vontade mas hoje a censura é severa e dura, é perigosa e está legislada como na altura. A censura é aceite e a manifestação controlada, o mais possível muda. Os direitos são lineares e as responsabilidades cívicas deixadas para as polícias que se exigem mais musculadas e violentas com os excluídos. Já me alonguei, já me estiquei demasiado. Para mim o 25 de Abril foi obrigatório, veio tarde demais, é fundamental para que hoje possa escrever este blog e vale pelos princípios da liberdade, da democracia, pelo respeito pelos direitos humanos, de cidadania, pela solidariedade social, pela igualdade, muito pela igualdade, vale por uma ideia de sociedade e de governo que protege os mais necessitados que distribui os recursos e se defende da acumulação ilícita, abusiva, que garante a justiça, combate a fome, recusa a guerra e todos os dias, todos os dias mesmo, trabalha para que os mais novos possam ter uma educação que está enraizada neste valores. Para que eles nunca acabem.