"Quase dois terços dos professores admitem que a motivação para estar na escola diminuiu nos últimos anos"
PÚBLICO, Samuel Silva, 23 de maio
Desconhecendo a amostra deste estudo em detalhe diria que me parece, à primeira vista, demasiado pequena. Gostaria, apesar de tudo, de realçar o conceito de "massacre sistemático" da comunicação social que contribui, junto com o discurso do poder político, para enfraquecer os professores e desvalorizar o trabalho da escola.
No entanto não podemos deixar de constatar que muitos professores contribuem para o discurso negativo centrando-se, por exemplo, na questão da indisciplina como factor desestabilizador da profissão quando, na verdade, faz parte das competências profissionais de um docente identificar, estudar e procurar soluções de um modo colaborativo para questões como essa. O trabalho de um professor é sempre com os alunos que tem à frente e não com outros que o sonho imagina melhores ou mais sossegados.
É urgente que os professores se afirmem como profissionais com saberes únicos e específicos capazes de lidar com os desafios (sejam eles quais forem) que as gerações atuais e futuras de alunos lhes colocam. Devemos adaptarmo-nos à realidade dos alunos com os quais trabalhamos de modo a ser possível estes realizarem aprendizagens significativas, sejam quais forem as circunstâncias ou as dificuldades. É um projeto profissional. O engenheiro de pontes também não pede um rio mais estreito para ligar as duas margens.
Não se pode ignorar, apesar de tudo, que a desvalorização dos salários equivale a uma desvalorização social da profissão e que ambas, o empobrecimento e a desvalorização social, se somam e multiplicam assim o efeito desmoralizador. Mas nada disto é ao acaso. O ataque aos professores é um ataque à ideia de escola pública e escola para todos. É um ataque ao projeto de uma sociedade que promove a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. É isso que está em causa e é desse ataque que os professores se devem defender. Pessoalmente (e nem todos têm de ser como eu) é neste momento que me sinto mais motivado. Mas é pelos motivos piores. É por sentido de resistência e por preocupação pelo futuro difícil dos meus alunos. A desmotivação dos professores é totalmente justificada e não se limita à classe docente.
Para o poder político neo-conservador que nos governa a escola pode, se correr mal, encurtar as distâncias e aproximar as oportunidades. A escola pode, se correr mal, abrir os olhos dos futuros trabalhadores para a natureza da exploração laboral e das novas escravaturas. A escola pode, se correr mal, ensinar a tolerância e o respeito pela diferença. A escola pode, se correr mal, fomentar uma crítica dos valores e por em causa os preconceitos que passam por tradição. A escola pode, se correr mal, fazer de crianças e jovens adultos que pensam de modo crítico e que exigem respeito e democracia.
Enfim, se correr mal, a escola pode ser um ninho de subversivos com uma visão mais clara do mundo.
Na Soares dos Reis fazemos um esforço para que corra muito mal. A vingança contra este sistema é o conhecimento e a vontade de saber que plantamos nas cabeças dos alunos como quem coloca uma bomba que mais tarde explode e transforma o mundo completamente. É um acto subversivo e terrorista promover o conhecimento em países europeus pobres e endividados em pleno séc. XXI e os professores, a cada aluno que ensinam, estão a criar homens-bomba da liberdade do pensamento e do conhecimento.