"Auto-retrato anónimo" (2014) técnica mista, autor anónimo.
Dan Rees, à esquerda, na inauguração de uma sua exposição na Fundação Goss-Michael em Dalas.
Chamam-lhe "Flip Art" (ler este artigo no New York Times) e é, na verdade, a aplicação das práticas especulativas dos mercados de capitais à compra e venda de obras de arte.
Se, por um lado, para os mercados artísticos emergentes é pouco atraente a especulação com obras de artistas muito importantes. As obras são raras, correm mais riscos de falsificação e mais risco financeiro por cada obra. O mercado da arte mais animado e borbulhante prefere comprar e vender muito depressa, vender antes de comprar, fazer muito barulho.
Por outro lado o processo de legitimação artística tradicional é demasiado demorado e implica dar tempo aos artistas para que a sua obra amadureça e seja devidamente digerida pelo olhar da crítica e do público. É um processo relativamente democrático que pouco interessa aos investidores que poucos riscos querem correr. Não lhes interessa a arte mas as oportunidades de realização de lucro rápido.
As vendas são organizadas em leilões porque, dizem, os investidores acreditam que o artista que está representado num leilão tem à partida um determinado grau de qualidade. Não é necessariamente verdade.
Para isto são selecionados muitas vezes novos artistas de qualidade muito duvidosa e com um trabalho suficientemente ambíguo para que o discurso críptico de críticos, previamente comprados, deixe investidores à beira do orgasmo.
Os artistas escolhidos, os que estão no centro dos interesses, inundam o mercado com centenas de obras e criam algum "hype" com a ajuda de galeristas inteligentes e cheios de contactos. A colocação de uma obra numa coleção importante pode desencadear um furiosa torrente de vendas e compras completamente às cegas.
Como podem ver na esmagadora maioria deste lote extraordinário da casa de leilões Philips a qualidade das obras é muito duvidosa.
Lá está a nossa Joaninha com os pijamas de renda para bichos de louça, mas a vender pouco quando comparada com algumas pérolas como Parker Ito (o seu site é do mais autêntico Glitch Art ou simplesmente mau html, as obras nem comento), Dan Rees, na fotografia acima, Lucien Smith, ou o mesmo o pseudo-clone de Basquiat, Oscar Murillo.
Aliás a Philips, detida na totalidade por uma empresa russa de retalho de luxo, deixa evidente no seu site o motivo pelo qual vende e porque tem sucesso. Não são os artistas nem as obras, senão leiam:
"To win business, Phillips combined business acumen with a flair for showmanship, introducing new ways to promote his sales such as elaborate evening receptions before auctions - an essential part of the auction business today. Phillips quickly gained the confidence of British society and remains the only auction house ever to have held a sale inside Buckingham Palace."
É claro não é?
Se mais tarde o mercado topa a real qualidade das obras e estas deixam de valer o que quer que seja, pouco interessa para aqueles que, na feira de arte e no leilão, fizeram milhões com telas manchadas por materiais de bricolage baratos.
É, já se sabia, muito fácil criar fenómenos artísticos da noite para o dia, com campanhas mais mediáticas, com ordens de compra falsas e sempre com muitos telefonemas à mistura. É como largar um mentos numa bacia de coca-cola. A magia acontece. Pouco interessa a qualidade da obra. Estas obras, na sua maioria, nem penduradas serão depois de terminarem as exposições. Viajam empacotadas de depósito de galeria em depósito de galeria. Trocam de mãos constantemente. Interessa apenas o valor financeiro realizado na troca. Como em tudo. A substância passou a ser o dinheiro, tudo o resto é subproduto. Encorajador.
O meu pai bem me falou da importância de um grande mercado e do sucesso da fábrica de pregos de duas cabeças. Hoje,com a institucionalização de compra e venda de perspetivas de ganhos em vez de produtos reais, nem fábrica precisa de existir, apenas a crença de que existe uma fábrica e um produto. Só isso já dá para especular e ganhar dinheiro.