O Wall Street Journal pela pena da jornalista Patricia Kowsmann publicou em 25 de dezembro um texto sobre a compra de Bimbys em Portugal. O destaque ao nosso país, está claro, é causado pelo nosso estado de insolvência económica. O título da peça "Mesmo em tempos difíceis Portugal adora as suas Bimbys" tem um pendor claramente pejorativo. O que lhe está subjacente é a ideia de que qualquer tendência de consumo em Portugal deve ser julgada como uma insensata moda despesista de mais um desregulado país do Sul da Europa. É assim que o lêem os americanos e o interpretam os media portugueses e logo será assim entendido pelo fundamentalismo económico das sumidades pró-austeridade.
Esta questão merece alguma reflexão dada a cobertura nos média e nas redes sociais e as habituais reações a quente. Vejamos:
- O país que vende armas em supermercados (280 milhões de armas em mãos civis) e inventou o termo TV-Dinner fascina-se facilmente com um povo que compra um eletrodoméstico para cozinhar em casa, e jantar em família. Não um telefone para encomendar pizzas, nem um micro-ondas para aquecer algo congelado. Um eletrodoméstico para cozinhar alimentos frescos. Espantoso.
- O povo português, em vez de perceber o elogio que está subjacente a tal destaque mediático dado à sua opção em termos de investimento, em detrimento doutros investimentos mais populares nos países ditos civilizados, chama "modernice" à tal máquina e baixa os olhos em vergonha perante tal achado estatístico.
Conclusão:
As reportagens na Televisão e alguns comentários nas redes sociais, como de costume, revelam os vícios do comentarismo pós-moderno. Pouca reflexão e pensamento unidimensional.
Vão atribuir este facto estatístico à falta de educação económica dos portugueses e à sua predileção pela brejeirice consumista. Já se fez o mesmo com os telemóveis. Esses mesmos que hoje todo o mundo usa.
Mas há outras formas de ler a realidade destes factos.
A "Bimby", como lhe chamam (o seu nome verdadeiro é Thermomix, nem nos EUA lhe chamam Bimby o que torna o título da notícia muito estranho), é um aparelho como outro qualquer para preparar alimentos. Muito usado em restaurantes de topo (esta é para os puristas engolirem) e noutros mais modestos, inclusive no famoso programa Masterchef. Só lhe sente utilidade quem sabe cozinhar e procura variar a ementa. A Bimby não cozinha por nós mas atalha caminhos. Há vários modelos de várias marcas. É importante pensar porque é que um povo pobre decide investir numa máquina para cozinhar em casa e cozinhar de modo variado. É importante refletir o quanto isso representa em termos de inteligência económica, sustentabilidade, qualidade de vida e saúde.
Bem sei que é fácil rir e muitos haverá, no poder, a dizer "Estão a ver! Ainda há dinheiro para Bymbis! Esses esbanjadores lusos! Corta-lhes no vencimento!". Na verdade, um povo mais pobre, que fica em casa, que poupa nos alimentos, soube bem onde investir. Na mesa dos filhos e na variedade da sua dieta. Não sejam burgessos e não digam tolices a este propósito. Portugal tem um povo deseducado mas não estúpido como aqueles que o governam.