Este texto vem no contexto da notícia «Jornalista condenado a multa e indemnização por chamar "idiota" a ex-secretário de Estado» do jornal Público de 19 de junho de 2013.
Atenção: este texto tem linguagem menos própria para o consumo dos mais pudicos.
Acho muito complicado e perigoso que em Portugal se condene alguém por chamar "idiota" a um governante. Em primeiro lugar porque está em causa a liberdade de expressão e em segundo porque pode, em última análise, impedir que alguém diga a verdade.
Bem sei que o acórdão condena o arguido sobretudo por ter chamado "idiota" a um secretário de estado sem ter apresentado justificação para o efeito. Alguns argumentarão que ter sido secretário de estado de Sócrates é motivo bastante, por exemplo. São livres de pensar isso. Mas seria com certeza, como noutros casos se fez, muito fácil fazer prova da idiotice deste ou daquele secretário de estado em tribunal, bastando para o efeito recorrer à leitura de declarações públicas ou ao enunciado das medidas que se vão tomando nas secretarias de estado.
No caso em apreço o jornalista escreveu que o inatacável funcionário do estado "é o mais idiota dos políticos que conheço e foi durante este último ano e meio secretário de Estado da Agricultura e Florestas" e continua dizendo "um dia será ministro das Finanças, ou da Educação, ou da Justiça de um qualquer governo, a confiar no aparelho partidário do Partido Socialista, onde parece que toda a gente boa foi de férias e só ficaram as galinhas".
As palavras são fodidas (olha, usei uma delas agora mesmo). Se o jornalista em apreço tivesse o talento para desenhar um galinheiro com o símbolo do Partido Socialista pendurado e um grupo de galinhas a bicar no chão sendo uma delas a carinha laroca do dito inominável e inatacável secretário de estado, o senhor doutor juiz nunca o teria condenado. Apesar de sabermos todos que as galinhas são um bicho que só não é idiota quando está no tacho.
Mas os símbolos são do caraças e a semiótica é fodida. Se em vez de galinhas fossem porcos numa pocilga já era diferente e o juiz deste caso, admirador confesso, presumo, dos brilhantes trabalhos na área da liberdade de expressão realizados pela justiça iraniana ou chinesa, já iria franzir o sobrolho e pensava "mil... mil e trezentos, devem bastar". Já, por último, se trocássemos os porcos por cavalos talvez o dito ex-secretário de estado, cujo nome é impronunciável e cuja dignidade está acima de qualquer suspeita, decidisse em vez de um processo presentear o jornalista em causa com um belo cabaz de Natal. É a natureza dos signos.
O que, com certeza, o senhor doutor juiz, se esqueceu de estudar foi que a palavra "idiota" está ligada ao exercício da política desde a Grécia Antiga ou antes ao não exercício – a palavra vem da raíz iδio que significa “em si mesmo” alguém que se exclui e não participa e que por isso rejeita a política (como tão bem explica Papandreou na sua comunicação no TED – ver aos 12m34s).
Neste caso particular talvez o jornalista não se estivesse a referir à falta de exercício e participação política do dito cujo, mas antes a um exercício que, em si mesmo, exclui os outros, exclui a comunidade para a qual trabalha. Por estar distante daqueles a quem se destina é idiota por princípio. Exatamente aquilo que se passa hoje na nossa governação “idiota”.
Mas ser "idiota" toca a todos. Ser o "mais idiota" toca a quase todos, uma vez ou outra. Incluindo-me a mim na galeria dos mais idiotas muitas vezes. É diferente de chamar "gatuno" que implica roubar, ou "cabrão" que implica um exercício específico da sua senhora ou, no máximo dos máximos, "filho da puta" que põe em causa a moral da proveniência dos rendimentos da mãe. "Idiota" em Portugal significa um ignorante ou vaidoso. Dificilmente encontraremos alguém que não pense o mesmo da maioria dos políticos. Estarão proibidos de o dizer sem o justificar?
Os políticos, sobretudo os que governam, estão a jeito. Não são cidadãos comuns. Legislam, afetam a vida das pessoas de forma determinante e andam com seguranças não identificados que batem e dão ordem de prisão. Nas revoluções perdem as cabeças. Literalmente. O exercício de um cargo político obriga a aceitar que nos chamem idiotas sem qualquer justificação. Faz parte. É diferente de dizer que roubamos. É só dizer que fomos maus. Dizer que se é "o mais idiota" é só dizer que fomos os piores.
Não quero um país em que não se possa chamar "idiota" livremente a um governante. Sobretudo sendo este um país de governantes Idiotas, Ignorantes, Vaidosos, Mentirosos e que todos os dias vão governando a favor dos seus interesses sem qualquer tipo de pudor nem compaixão pelos seus cidadãos. Será que é proibido mandá-los "à merda"?
Quanto custa senhor doutor juiz?
Neste mercado de insultos que se tornaram alguns tribunais portugueses, na inútil e impossível defesa da dignidade dos que nos governam, apetece-me entrar e dizer: Vou levar três "idiotas", uma dúzia de "gatunos" e apenas um "filho da puta"*, mas só porque não me pagam agora em junho. Venho cá em novembro e levo mais...
Tenham juiz(o).
* atenção que estou só a brincar, não me pagam o suficiente para liberdades dessas...
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