segunda-feira, junho 23, 2014

Sabem lá eles o que é ser patriota.

Jovem acusado em tribunal por ultrajar bandeira nacional em obra de arte.

Quem não percebe o quão errada é esta acusação não percebe o que significa viver em democracia ou mesmo alcança a profundidade do sentimento de patriotismo.
A bandeira é um signo, construído a partir de outros signos e de muitos significados, uma composição, uma frase sobre a identidade nacional. Este signo pode ser usado noutras frases. Não pode haver lei que o impeça.
Por outro lado se alguém quiser por em causa o nacionalismo da frase terá de a ler no seu contexto devido. Ignorar o contexto é ignorar o signo. O signo, segundo Pierce, é composto por três partes. O significante (o corpo), o significado (o que representa) e o referente (a que se refere). Por entendermos o contexto, as bandeiras deixam de ser meras representações gráficas abstratas e passam a ser símbolos que representam as nações. As cores, por exemplo, deixam de ser uma coisa e passam a ser outra. O verde pode ser um prado ou pode ser a esperança. O vermelho pode ser sangue ou pode ser só a complementar do verde, ou uma cor que já existia num estandarte mais antigo.
A importância da bandeira como símbolo é muito antiga e o porta estandarte, ou o porta bandeira, é uma figura simbólica no campo de batalha. Reza a história que tivemos um que perdeu ambas as mãos e ainda assim não cedeu, segurando o estandarte real com os dentes. Isso não invalida, e até reforça, a utilização da bandeira como símbolo nacional no discurso artístico sobre uma nação. Como Jasper Johns (Flag, 1954) a transformou no gozo do fazer. Quando vi pela primeira vez a bandeira americana de Johns senti que se abriam uma infinidade de possibilidades na aplicação das cores e das tintas.
A bandeira é um signo que aparece dentro de um discurso que pode muito bem ser o do desalento ou do sofrimento. E também pode comentar a violência exercida sobre um povo representando-o, ao povo, na forma da sua bandeira. Quando a bandeira é enforcada são enforcados todos os portugueses. Não é o autor que enforca os portugueses, ou enforca Portugal. Os portugueses já foram enforcados, o autor só comenta algo que já aconteceu. Já os tinham posto de tanga. Já os tinham acusado de viver acima das suas possibilidades apesar da sua pobreza. Já lhes tinham dito para sair do seu próprio país. Já tanto foi dito e feito. Não se pode fazer um comentário usando a bandeira? Claro que pode. E deve.
A ignorância sobre a natureza do discurso artístico é grave quando passa todas as etapas da imbecilidade judicial e chega a tribunal. Isso significa que muitos, pelo caminho, não percebem a ponta de um corno do que significa a liberdade de expressão, ser patriota ou viver em democracia.
 
Atualização: Ministério Público pede absolvição do artista. Alguém inteligente haverá no meio disto tudo.
 
 

terça-feira, junho 17, 2014

Este era o único jogo que interessava...


Confesso que, para mim, o Mundial está mais ou menos acabado. Era este o jogo que me interessava. O jogo contra os nossos carcereiros, como no filme "Victory" ou "Fuga para a vitória" de John Huston (1981). Todos os jogos depois deste não apagam esta derrota. Essa fica para a história, assim como a nossa subserviência e a nossa insuficiência. Muitos alemães ontem confirmaram aquilo que já pensavam de Portugal. Aquilo que, na verdade, tantos portugueses pensam de Portugal. Recuso-me a dizer.
O significado político, social e cultural destes confrontos é evidente. Quem o quiser negar está, obviamente, a negar uma evidência. Por algum motivo Angela Merkel foi ao balneário agradecer aos jogadores. Não sei de mais nenhum líder político a tirar selfies no balneário depois de uma vitória que humilhou o adversário. Não fomos David contra Golias. Demitimo-nos. Parecemos sempre mal preparados, fisicamente incapazes, tecnicamente insuficientes, taticamente desorganizados, enfim, atarantados. Com Paulo Bento é sempre assim. Sempre como se fosse a primeira vez. Surpreendidos com o que toda a gente já sabe.
Se Paulo Bento, ao menos, tivesse explicado aos jogadores o que o povo português queria realmente fazer à Alemanha... Morriam em campo. Mas não. Não lêem jornais, não sofrem na pele as dificuldades, estão demasiado distantes daqueles que representam. Trocaram a seleção nacional pela equipa de futebol da Federação Portuguesa de Futebol.
Jogaram lentos, sem chama. Assoberbados pelo calor e pela humidade contra os heróis germânicos que pareciam em casa no Brasil.
Estes jogadores foram profissionais só para não serem amadores (os que amam), não para serem responsabilizados pela sua falta de profissionalismo.
Contra a Alemanha nem tinham de ser profissionais. Só tinham de carregar na alma a alma dos portugueses. Jogar com paixão. É isso que se pede a uma seleção.
Mas o problema não foi apenas a falta de paixão. Não se vai a lado nenhum sem inteligência, sem trabalho, sem conhecimento. Ouvi Del Bosque depois de levar uma abada dos holandeses. Inteligente, elegante na derrota, claro como a água. Senti, naquele momento, que ele libertou uma boa parte do peso daquela derrota. Apaziguou tudo. Paulo Bento, num português horroroso, diz que equilibramos até ao primeiro golo. Até aos 11 minutos. Mais valia estar calado. Por que raio diria aquilo?
Culpou o árbitro mas, bem vistas as imagens televisivas, ninguém vai levar a sério essas queixas. Foi culpa própria. Mais nada.
Era este o único jogo em que a seleção não poderia falhar. Cair de joelhos não. Podíamos perder, mas não ser humilhados. Pelos portugueses empobrecidos, gozados, humilhados, insultados em tantos jornais alemães, nos conselhos europeus, nas comissões, nas decisões das troikas que acham sempre que somos como aquela seleção, um bando de frouxos que nem os salários mais baixos da Europa merece. Porra! Quem não percebe o que isto dói no orgulho lusitano? Muitos dirão que é só um jogo de futebol. Jesse Owens em 1936 também só tinha de correr e saltar naquela terra batida. É muito mais.
É preciso paixão mas não apenas no momento do jogo. É preciso paixão durante a preparação. Se alguma vez existiu, eu não vi nem ouvi falar dela. Não se ouviu falar de tática, era Postiga (lesionadíssimo) ou Almeida. Não se ouviu falar de treino para o calor, ao contrário dos Alemães. Ouviu-se falar de fãs, de fãs, de fãs e de fãs de Cristiano Ronaldo, e do joelho. O maldito joelho. As luzes de Ronaldo, o mais trabalhador dos jogadores, encandearam tudo e o resultado foi este. Temos ainda a oportunidade de dar a volta contra americanos (muito bem organizados e por um alemão) e ganeses. Preferia não ter uma réstia de esperança, mas sou um parvo.

sexta-feira, junho 13, 2014

Mais vale uma P. do que um F.P.



Há contradições insanáveis na decisão sobre a contabilização de atividades criminosas no cálculo do PIB. Sei que não será um exclusivo do nosso país mas ainda assim deveremos refletir sobre que estado de alienação ética ou técnica promove este tipo de raciocínio. Ainda que algumas destas atividades pudessem, após algum debate e reflexão, ser descriminalizadas e tributadas sempre que exercidas dentro da lei, é difícil aceitar esta medida como lógica.
Sabemos bem que estes grandes números, como o PIB, têm uma relação cada vez menor com o bem estar dos cidadãos, com os números da pobreza ou outros. São indicadores que servem aos grandes negócios e às lógicas de acumulação capitalista. Nada mais.
Também sabemos que o PIB já refletia alguns negócios criminosos por via das atividades de alguns nacionalistas a militar nos bancos e nas grandes empresas, com ajuda da vista grossa dos reguladores e da justiça, por isso a prostituição e o tráfico de droga pouco melindram os princípios éticos da nossa inteligenza económica.
Será que amanhã a atividade da polícia no ataque ao crime irá ponderar o interesse económico do país? O Ministro da Administração Interna poderá ponderar na vantagem de usar despesa pública para atacar negócios que acrescentam ao Produto Interno Bruto do país. Para que servirá a ASAE? A única polícia do futuro será a polícia fiscal. A lembrar o Príncipe João da história de Robin Hood que sendo a única autoridade mais não fazia do que cobrar impostos aos pobres.
Por este andar vale mais a prostituição e o tráfico de droga do que a educação ou a saúde.
Alguns dirão que tudo que é circulação de dinheiro conta, mas eu lembro que um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento é uma justiça eficaz e abrangente fomenta a segurança e o investimento. Incluir no PIB o que foge à polícia é assumir a incapacidade de gestão e organização das atividades económicas de um país. É uma medida neoliberal imbecil fruto deste zeitgeist de cabelo ao vento no cabriolet e relativismo ético interesseiro.
Quem diria que o governo de direita mais moralista e conservador depois do 25 de abril iria comprometer tantos valores em troca de dinheiro?
A mim não me espanta muito...
 

quarta-feira, junho 11, 2014

O passado deles é o nosso presente.



A presunção, no discurso do Presidente, de que "soubemos vencer as adversidades de um tempo muito difícil", como se as adversidades fossem coisa do passado, "dos últimos três anos" e não se prolongassem ainda hoje ou se projetassem no futuro, é de um cinismo e insensibilidade social próprio de alguém que não foi talhado para representar um povo.
Depois de uma semana em que o Primeiro Ministro e seus acólitos nos brindaram com todo o tipo de birras, insultos e ameaças ao Tribunal Constitucional e à própria lei fundamental por não terem sido autorizados a baixar ainda mais os salários e as pensões, só por gozo alguém considera que as adversidades pertencem ao passado.
Depois de o INE provar que o PIB está novamente a recuar, que as exportações baixaram e a balança comercial está de novo desequilibrada só por calculismo político inadmissível alguém pode considerar a crise uma coisa do passado.
O passado do Presidente da República é o nosso presente e provavelmente o nosso futuro. Isto a acreditar nas palavras dos próprio Primeiro Ministro.
É por estas e por outras que quando o PR desmaia durante uma cerimónia ninguém se cala em respeito ao senhor. Porque ele nos falta ao respeito todos os dias, porque não cumpre o seu juramento, porque não é um de nós. A Presidência da República merece-nos o respeito de ser o alvo privilegiado dos mais importantes protestos. Se o programa de empobrecimento não parou por causa do mal de tantos porque pararia o protesto por uma simples indisposição de um?
Não lhe desejo a doença mas sei que ele também, na prática, não nos deseja a saúde.