Passei a minha vida toda a desenhar bonecos. Nunca o fiz profissionalmente porque a vida me conduziu noutros sentidos mas sempre percebi o poder dos bonecos desenhados. Tenho uma profunda admiração por todos aqueles que fazem do cartoon e desenho satírico a sua vida. Sobretudo aqueles, como os franceses do Charlie Hebdo, que fazem do desenho um campo de batalha pela liberdade de expressão, pela liberdade do humor.
A profissão de jornalista anda arrastada pelo chão por estes pragmáticos do lucro que promovem o trabalho escravo, sem condições, sem estabilidade e sem segurança. Por algum motivo é tão fácil raptar ou matar um jornalista. Os terroristas e mesmo as polícias e os governos de países civilizados têm zero de respeito por estes profissionais. Sobretudo o poder político que os manipula para proveito próprio. Não há liberdade verdadeiramente.
Os artistas também, por outro lado, são desacreditados e espalmados pela lógica do gosto único, surpreendentemente um princípio do marketing neoliberal. Ou alinham em lógicas parvas de mercado ou desaparecem. De modo algum devem provocar o "establishment". No Portugal democrático foram censurados músicos e artistas plásticos que usaram os símbolos da nação. Censura aclamada por elites conservadoras que hoje choram lágrimas de crocodilo. Ai de quem brinque com a fé dominante e com os seus líderes. Quando um cartonista brincou com um Papa foi um escândalo, quando era suposto ser apenas uma brincadeira crítica e inteligente. Os nossos censores não pegam em armas porque são uns piegas medrosos. Não se aguentam à porrada. Matam de outras maneiras.
Não podemos abdicar da nossa liberdade de desenhar o que quer que seja, de dizer o que quer que seja. Os cartonistas do Charlie Hebdo eram uns brincalhões, nunca fizeram mal a ninguém e ajudaram muitos a ver as coisas de outro modo, por outro lado, e dessa forma ajudaram o mundo a compreender-se um pouco melhor.
Estou com eles. Não vou ter medo de desenhar. Recuso-me a ter medo de desenhar porque, entre outras coisas, houve quem tivesse morrido a defender esse direito.
Obrigado Charlie Hebdo. Obrigado Wolinski, Charb, Tignous e Cabu. Vocês e todos os que defendem a liberdade de expressão são os únicos profetas.
No meu pinboard "Illustration" no Pinterest partilhei alguns desenhos destes artistas.
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