A Europa racista estava com o pito aos pulos. Tinham roubado uma loirinha do seu berço de ouro e encontraram-na na Grécia, pátria de todos os pecados. Esses perigosos e pérfidos ciganos, raça maldita, tinham sequestrado uma filha do sol, uma herdeira da fortuna, enfim, uma ariana.
Porquê? Para vender ou escravizar. A ruindade desta gente, destes morenos itinerantes, não tem limites.
Maria, a tal menina loira, vem-se a saber afinal, é proveniente de uma família cigana búlgara e foi abandonada na Grécia, por onde a família andou. Terá sido abandonada por falta de dinheiro para a sustentar. "Abandonada" a troca de dinheiro ou não, isso é que já não sei.
No Reino Unido, pátria de insossos racistas, a esperança de encontrar Maddie no barracão ao lado do "Anjo loiro", como de pronto chamaram a Maria, contagiou toda a gente. Na Irlanda uma menina cigana foi retirada à familia por ser loira. Só isso. Mais tarde foi devolvida aos pais por se ter provado com teste de ADN que era realmente a filha do casal. Um pouco ao lado, ainda na Irlanda, um pequeno rapaz de 2 anos passou pelo mesmo. Até em Portugal se alinha na farsa monumental. Falava-se, por exemplo, do bando de ciganos que andava a roubar casas por alturas do caso da Maddie. Teriam esses monstros roubado Maddie? Acham coincidência dizerem isso agora? Ciganos? A sério?
O tráfico de crianças existe mas dificilmente se pode atribuir aos ciganos europeus a responsabilidade pelo mesmo. Por outro lado é evidente e preocupante a preferência dada aos casos das meninas loiras e tal seleção, por parte das polícias, da comunicação social e da opinião pública, revela fantasmas nojentos nas velhas consciências europeias.
Não consta, apesar de tudo, que a procura por "anjinhos loiros" para o mercado da pedofilia seja criada por ciganos. Consta inclusive que muitos daqueles senhores, disfarçados de estola e batina, que nos Estados Unidos ou na Polónia comiam crianças ao pequeno almoço, tinham o olhinho azul, também eles.
A minha mãe, quando eu era pequeno, já me dizia, num inocente assomo racista que eu lhe perdoo, "Se não te portas bem vou-te dar aos ciganos!".
Só posso concluir, pelos casos recentes, que a minha tez morena acabou por obrigar os meus pais à difícil tarefa de me educar até ao fim, enfim, até hoje. Tivesse eu o olho azul e o cabelo dourado como as estrelas e quem sabe...
Não há vergonha nesta Europa neo-liberal de gosto ariano. Não há sequer um esforço em disfarçar.
Multiplicam-se os getos na Grécia e na Bulgária. Multiplicam-se os getos criados pela austeridade, defendida por todo o lado como a salvação do sistema. Sem pudor criam-se pobres todos os dias em nome da riqueza. Quando a coisa aperta recorre-se ao racismo e à xenofobia para pôr uns pobres contra os outros. É o trabalho das extremas direitas. Foi o que aconteceu em França com a menina cigana Leonarda Dibrani. Filha de um pai Kosovar que se viu obrigado a mentir para ter um país para os seus filhos. Para que estes tivessem um oportunidade.
Com o avanço do desemprego e da pobreza nos países abrangidos por programas de empobrecimento difarçados com o nome de "programas de assistência" os ciganos do futuro são os europeus do sul. São os mais pobres. Esses devem ser mantidos à distância e a trabalhar por um salário pequenino, com poucas mordomias do Estado.
No norte da Europa, onde os naturais usufruem de um generoso e amplo Estado Social, a escravatura laboral aos estrangeiros, mesmo sobre os caucasianos do sul, é algo perfeitamente natural. Para eles somos todos um pouquinho ROMANI, de tez morena e patilha atrevida. É cultural, e tudo se perdoa ao mais rico. A superioridade ariana não é posta em causa. Os arianos do norte são obedientes, organizados, não cospem no chão e respeitam as passadeiras. E são tão bonitinhos... parecem pontinhos de luz. E que grandes? Um orgulho para o Sapiens Sapiens.
Se não refletirmos sobre estes fenómenos racistas e não os denunciarmos situações como estas, como o que aconteceu em França ou o caso da Irlanda, serão cada vez mais frequentes e a pouca réstia de humanidade que temos esfuma-se.
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